domingo, 6 de julho de 2014

SESSÃO 24: 1 DE JULHO DE 2014


A VELHA DESCOBRE O CRIME (1963)

Agatha Christie é indiscutivelmente uma das mais populares escritoras inglesas do género policial e uma das mais adaptadas ao cinema. Há, sobretudo, duas craiações suas, Hercules Poirot e Miss Marple, que batem quase todos os outros investigadores particulares neste campo. Ambos tiveram vários intérpretes notáveis mas, no caso de Miss Marple, duas houve que se tornaram lendárias, a primeira das quais Margaret Rutherford que, nos anos 60, nos deu um magnífico conjunto de trabalhos, numa série que ficou célebre e hoje em dia são verdadeiros “cult movies”, sempre sob a direcção do realizador George Pollock. “Murder She Said” (O Estranho Caso da Velha Curiosa, 1961) foi o primeiro da série, a que se seguiram “Murder at the Gallop” (A Velha Descobre o Crime, 1963), “Murder Ahoy” (A Velha Investiga, 1964) e “Murder Most Foul” (O Regresso da Velha Curiosa, 1964). Rutherford ainda haveria de recriar a mesma figura, mas agora numa obra norte-americana, “The Alphabet Murders” (O Alfabeto do Crime), de Frank Tashlin (1965). A outra grande Miss Marple foi Angela Lansbury, sobretudo numa série de televisão, sendo depois continuada por uma muito interessante Ita Ever, num novo conjunto de telefilmes.
“A Velha Descobre o Crime” tem duas ou três características que tornam o filme muito interessante. Desde logo, o trabalho de Margaret Rutherford, que compõe uma personagem inesquecível, pela persistência, bonomia, inteligência a que a própria morfologia física da actriz oferece um generoso contributo. Mas, na interpretação, há ainda que contar com a colaboração de Stringer Davis (Mr. Stringer), colaborador de Miss Marple em todos os casos, e marido de Margaret Rutherford na realidade, e também, neste título, de dois grandes actores ingleses, Robert Morley (Hector Enderby) e Flora Robson (Miss Milchrest).
Depois, há que reconhecer a qualidade da descrição de uma pequena comunidade inglesa de província, que George Pollack pinta a traços largos, mas pertinentes e eficazes. Em “A Velha Descobre o Crime”, Miss Marple e o seu parceiro de aventuras, o discreto senhor Stringer, vagueiam pela aldeia angariando fundos para uma Liga de Assistência a Criminosos Recuperados ("The Reformed Criminals Assistance League"), e resolvem visitar o velho e forreta Enderby para o levar a contribuir. Mas, quando chegam à mansão do rico e avarento senhor, não conseguem já falar com ele, pois o que encontram é o seu cadáver. Dado que ele tinha pavor a gatos, e por aí passara um desses bichanos, um ataque cardíaco começa por ser a explicação mais óbvia. Mas Miss Marple tem outra teoria, que vai procurar cimentar, munida de um pedaço de lama endurecida que encontra junto da vítima e que guarda para futuras averiguações. É chamado o inspector Craddock, que parece satisfeito com a ideia de um ataque cardíaco como causa da morte, dado que já eram conhecidos há alguns anos os problemas de coração do velho. Como sempre nestes casos, e muito ao estilo de Agatha Christie, há vários herdeiros interessados na fortuna, um deles acaba mesmo por conhecer o mesmo destino que o milionário e Miss Marple aproveita a reunião familiar no hotel “The Gallop” para tentar descobrir quem pode estar por detrás de tão funestas ocorrências.
Claro que se trata de um policial na melhor tradição inglesa, mas o humor não deixa de estar presente, em parte devido à escrita e imaginação da escritora, outro tanto pela forma como Margaret Rutherford compõe a figura, um simpática velhinha que não deixa de dançar o twist e andar a cavalo ou de bicicleta e que não se escusa de aconselhar o inspector da polícia a ler obras de Agatha Christie.
Dirigido com leveza e eficácia por George Pollock, adaptado da literatura (romance “After the Funeral”) ao cinema por James P. Cavanagh, este é um filme de produção média inglesa, de reduzido orçamento e de lucros invejáveis, muito como resultado do agrado que conheceu junto das plateias mundiais.

A VELHA DESCOBRE O CRIME
Título original: Murder at the Gallop
Realização: George Pollock (Inglaterra, 1963); Argumento: James P. Cavanagh, segundo romance de Agatha Christie ("After the Funeral"); Produção: George H. Brown, Lawrence P. Bachmann; Música: Ron Goodwin; Fotografia (p/b):  Arthur Ibbetson; Montagem: Bert Rule; Casting: Irene Howard; Direcção artística: Frank White; Guarda-roupa: Maude Churchill, Charles Monet, Masada Wilmot; Maquilhagem: Eddie Knigh, Pearl Orton; Direcção de Produção: Sydney Streeter; Assistentes de realização: Basil Rayburn, Edward Dorian; Departamento de arte: Tom Jung; Som: David Bowen, A.W. Watkins; Efeitos especiais: Tom Howard; Companhias de produção: George H. Brown Productions, Metro-Goldwyn-Mayer British Studios; Intérpretes: Margaret Rutherford (Miss Jane Marple), Stringer Davis (Mr. Stringer), Robert Morley (Hector Enderby), Flora Robson (Miss Milchrest), Charles 'Bud' Tingwell (Inspector Craddock), Gordon Harri (Sargento Bacon), Robert Urquhart (George Crossfield), Katya Douglas (Rosamund Shane), James Villiers (Michael Shane), Noel Howlett (Mr. Trundell), Finlay Currie (Velho Enderby), Duncan Lamont (Hillman), Kevin Stoney (Doutor Markwell), Frank Atkinson, Roger Avon, Jack Dearlove, Fred Griffiths, Joan Ingram, Paddy Smith, Guy Standeven, etc. Duração: 81 minutos; Distribuição em Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 12 anos;

GEORGE POLLOCK (1907–1979)
George Pollock nasceu a 27 de Março de 1907 em Leicester, Leicestershire, Inglaterra, e viria a falecer a 22 de Dezembro de 1979, com 72 anos, em Thanet, Kent, Inglaterra. Iniciou a sua carreira no cinema na década de 30, como assistente de realização, actividade que desempenhou durante anos. Colaborou com David Lean em várias obras deste, como “Brief Encounter”, “Great Expectations” e “Oliver Twist”. Como realizador estreia-se em 1957, em “Stranger in Town “. A sua coroa de glória são quatro adaptações de obras de Agatha Christie, no início da década de 60, tendo como protagonista Miss Marple, interpretada pela fabulosa Margaret Rutherford: “O Estranho Caso da Velha Curiosa” (1961), “A Velha Descobre o Crime” (1963), “A Velha Investiga” (1964) e “O Regresso da Velha Curiosa” (1964). Voltaria à obra da escritora em 1965, com a versão de “Ten Little Indians”, mas sem os mesmos resultados. Teve ainda vários trabalhos para televisão, como “Interpol Calling”, “Zero One”, “Gideon's Way” e “Danger Man”.

Filmografia
Como realizador: 1957: Stranger in Town; 1958: Rooney; Sally's Irish Rogue; 1959: Don't Panic Chaps!; Broth of a Boy; 1960: And the Same to You; Interpol Calling (TV); 1961: Murder She Said (O Estranho Caso da Velha Curiosa); 1962: Village of Daughters; Kill or Cure; 1962-1963: Zero One (TV); 1963: Murder at the Gallop (A Velha Descobre o Crime); 1964: Murder Most Foul (A Velha Investiga); Murder Ahoy (O Regresso da Velha Curiosa); 1965: Ten Little Indians (Dez Convites Para a Morte); 1966: Danger Man (TV); 1967: Gideon's Way (TV).

MARGARET RUTHERFORD 
(1892-1972)
Margaret Taylor Rutherford nasceu a 11 de Maio de 1892, em Balham, Londres, Inglaterra, e faleceu a 22 de Maio de 1972, em Chalfont St. Peter, Buckinghamshire, Inglaterra, com 80 anos, vítima de pneumonia. Apesar da sua aparência bonacheirona e simpática, Margaret Rutherford teve uma vida acidentada e uma infância não muito feliz. Filha única de William Rutherford Benn e de Florence Nicholson, era oriunda de uma família importante, contando nela com nobres e políticos. Mas o pai, que sofria de problemas mentais, foi acometido por um colapso nervoso na lua-de-mel, e foi internado num asilo. Tinha alta nos feriados e a 4 de Março de 1883, matou o pai, o reverendo Julius Benn, um ministro do Congregacionalismo, tentando suicidar-se a seguir. Sobreviveu, voltou ao isolamento do Hospital Broadmoor para criminosos. Alguns anos mais tarde, libertado, supostamente curado de sua doença mental, mudou o apelido para Rutherford, e voltou para sua esposa. Viajaram até à Índia, mas Margareth regressou a Inglaterra, e aos cuidados de uma tia, Bessie Nicholson, educadora de infância, depois da mãe se ter enforcado numa árvore. O pai voltou igualmente a Inglaterra, de novo a Broadmoor, onde morreu em 1921. Rutherford foi educada na Wimbledon High School e na Royal Academy of Dramatic Art. Estreou-se no Old Vic, em 1925, quando tinha 33 anos. A sua aparência física não a ajudava a ser uma heroína romântica, mas impôs-se como personagem característica, aparecendo nalguns filmes importantes dos anos 40, como na obra de David Lean “Uma Mulher do Outro Mundo” (1945), que adaptava uma peça de Noel Coward, “Blithe Spirit”, onde ela criava a personagem de Madame Arcati, que, conjuntamente com a figura de Miss Marple permanecem as suas interpretações de referência. "Nunca pretendi fazer comédia. Sempre me surpreendo quando o público acha engraçado tudo o que faço", escreveu Margaret na sua autobiografia. Casada com o actor Stringer Davis em 1945, era vulgar vê-los representar conjuntamente. Na década de 1950, Rutherford e Davis adoptaram o escritor Gordon Langley Hall, quando este já estava na casa dos 20 anos. Hall, pouco depois, mudou de sexo, passando a assinar como Dawn Langley Simmons, sendo com este novo nome que escreveu uma biografia de Rutherford, em 1983.
Em 1961, ela interpretou, pela primeira vez, o papel de Miss Marple, iniciando uma série de quatro filmes baseados em obras de Agatha Christie, e dirigidos por George Pollock. Em 1964, ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Actriz Secundária pelo seu trabalho no filme “The V.I.P.s”. Apareceu ainda em “Chimes at Midnight”, de Orson Welles, de 1966.
Recebeu a ordem de Officer of the British Empire (OBE), em 1961, e depois um Dame Commander of the British Empire (DBE), em 1967. Nos derradeiros tempos da sua vida sofria de Alzheimer. Dame Margaret Rutherford morreu em Maio de 1972 e foi enterrada no cemitério de St. James Church, Gerrards Cross, Buckinghamshire, Inglaterra, onde iriam igualmente repousar os restos de seu marido Stringer Davis, que morreu em Agosto de 1973,

Filmografia

Como actriz: 1936: Troubled Waters, de Albert Parker (não creditada); Dusty Ermine, de Bernard Vorhaus; Talk of the Devil, de Carol Reed; 1937: Catch As Catch Can, de Roy Kellino; Missing, Believed Married, de  John Paddy Carstairs; Big Fella, de  J. Elder Wills; Beauty and the Barge, de Henry Edwards; 1938: Spring Meeting, de John Gielgud (TV); Have You Brought Your Music? (TV); 1941: Quiet Wedding (Pedido de Casamento), de Anthony Asquith; 1943: Yellow Canary (Contra-Espionagem), de  Herbert Wilcox; The Demi-Paradise (Metade do Paraíso), de Anthony Asquith; 1944: English Without Tears (Pátria Acolhedora), de  Harold French; 1945: Blithe Spirit (Uma Mulher do Outro Mundo), de David Lean; 1946: The Importance of Being Earnest (TV); 1947: Meet Me at Dawn (Espero-te de Madrugada), de Peter Creswell e Thornton Freeland; While the Sun Shines, de Anthony Asquith; 1948: Miranda (Sereia Tentadora), de Ken Annakin; 1949: The Happiest Days of Your Life (Os Mais Felizes Dias da Sua Vida), de Frank Launder;  1950: Passport to Pimlico (Passaporte para Pimlico ou Passaporte para o Paraíso), de Henry Cornelius; Quel Bandido Sono Io ou Her Favourite Husband, de Mario Soldati; 1950-1958: BBC Sunday-Night Theatre (TV); 1951: The Magic Box, de John Boulting; 1952: Curtain Up, de Ralph Smart; The Importance of Being Earnest (A Importância de se Chamar Ernesto), de Anthony Asquith; Castle in the Air, de Henry Cass; Miss Robin Hood, de John Guillermin; 1953: Innocents in Paris (Inocentes em Paris), de Gordon Parry; Trouble in Store (A Loja do Doido), de John Paddy Carstairs; 1954: The Runaway Bus de Val Guest; Mad about Men (Doidinha Por Homens), de Ralph Thomas; Aunt Clara, de Anthony Kimmins; 1955: An Alligator Named Daisy, de Jack Lee Thompson; 1957: The Smallest Show on Earth (Luzes sem Ribalta), de Basil Dearden; Just My Luck de John Paddy Carstairs; 1957:  Dick and the Duchess (TV); 1959: I'm All Right Jack (Simpático Idiota), de John Boulting; 1959: Farewell, Farewell, Eugene (TV) 1960: ITV Television Playhouse (TV); The Day After Tomorrow (TV); 1961: On the Double (Um General e Meio), de Melville Shavelson; Murder she Said (O Estranho Caso da Velha Curiosa), de George Pollock; 1962: Zero One (TV); 1963: ITV Play of the Week (TV); The Mouse on the Moon (Um Rato em Órbita), de Richard Lester; Murder at the Gallop (A Velha Descobre o Crime), de George Pollock; The V.I.P.s ou International Hotel (Hotel Internacional), de Anthony Asquith; 1964: Murder Most Foul (A Velha Investiga), de George Pollock; Murder Ahoy (O Regresso da Velha Curiosa) de George Pollock; 1965: The Alphabet Murders (O Alfabeto do Crime), de Frank Tashlin; 1965: The Stately Ghosts of England (TV); Chimes at Midnight (As Badaladas da Meia Noite), de Orson Welles; 1966: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong),  de Charles Chaplin; The Wacky World of Mother Goose, de Jules Bass (só voz); Jackanory (TV); Arabella (Arabela), de Mauro Bolognini. 

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