A VELHA DESCOBRE O CRIME (1963)
Agatha
Christie é indiscutivelmente uma das mais populares escritoras inglesas do
género policial e uma das mais adaptadas ao cinema. Há, sobretudo, duas
craiações suas, Hercules Poirot e Miss Marple, que batem quase todos os outros
investigadores particulares neste campo. Ambos tiveram vários intérpretes
notáveis mas, no caso de Miss Marple, duas houve que se tornaram lendárias, a
primeira das quais Margaret Rutherford que, nos anos 60, nos deu um magnífico
conjunto de trabalhos, numa série que ficou célebre e hoje em dia são
verdadeiros “cult movies”, sempre sob a direcção do realizador George Pollock.
“Murder She Said” (O Estranho Caso da Velha Curiosa, 1961) foi o primeiro da
série, a que se seguiram “Murder at the Gallop” (A Velha Descobre o Crime,
1963), “Murder Ahoy” (A Velha Investiga, 1964) e “Murder Most Foul” (O Regresso
da Velha Curiosa, 1964). Rutherford ainda haveria de recriar a mesma figura,
mas agora numa obra norte-americana, “The Alphabet Murders” (O Alfabeto do
Crime), de Frank Tashlin (1965). A outra grande Miss Marple foi Angela
Lansbury, sobretudo numa série de televisão, sendo depois continuada por uma
muito interessante Ita Ever, num novo conjunto de telefilmes.
“A Velha
Descobre o Crime” tem duas ou três características que tornam o filme muito
interessante. Desde logo, o trabalho de Margaret Rutherford, que compõe uma
personagem inesquecível, pela persistência, bonomia, inteligência a que a
própria morfologia física da actriz oferece um generoso contributo. Mas, na
interpretação, há ainda que contar com a colaboração de Stringer Davis (Mr.
Stringer), colaborador de Miss Marple em todos os casos, e marido de Margaret
Rutherford na realidade, e também, neste título, de dois grandes actores
ingleses, Robert Morley (Hector Enderby) e Flora Robson (Miss Milchrest).
Depois, há que
reconhecer a qualidade da descrição de uma pequena comunidade inglesa de
província, que George Pollack pinta a traços largos, mas pertinentes e
eficazes. Em “A Velha Descobre o Crime”, Miss Marple e o seu parceiro de
aventuras, o discreto senhor Stringer, vagueiam pela aldeia angariando fundos
para uma Liga de Assistência a Criminosos Recuperados ("The Reformed
Criminals Assistance League"), e resolvem visitar o velho e forreta
Enderby para o levar a contribuir. Mas, quando chegam à mansão do rico e
avarento senhor, não conseguem já falar com ele, pois o que encontram é o seu
cadáver. Dado que ele tinha pavor a gatos, e por aí passara um desses bichanos,
um ataque cardíaco começa por ser a explicação mais óbvia. Mas Miss Marple tem
outra teoria, que vai procurar cimentar, munida de um pedaço de lama endurecida
que encontra junto da vítima e que guarda para futuras averiguações. É chamado
o inspector Craddock, que parece satisfeito com a ideia de um ataque cardíaco
como causa da morte, dado que já eram conhecidos há alguns anos os problemas de
coração do velho. Como sempre nestes casos, e muito ao estilo de Agatha
Christie, há vários herdeiros interessados na fortuna, um deles acaba mesmo por
conhecer o mesmo destino que o milionário e Miss Marple aproveita a reunião
familiar no hotel “The Gallop” para tentar descobrir quem pode estar por detrás
de tão funestas ocorrências.
Claro que se
trata de um policial na melhor tradição inglesa, mas o humor não deixa de estar
presente, em parte devido à escrita e imaginação da escritora, outro tanto pela
forma como Margaret Rutherford compõe a figura, um simpática velhinha que não
deixa de dançar o twist e andar a cavalo ou de bicicleta e que não se escusa de
aconselhar o inspector da polícia a ler obras de Agatha Christie.
Dirigido com
leveza e eficácia por George Pollock, adaptado da literatura (romance “After
the Funeral”) ao cinema por James P. Cavanagh, este é um filme de produção
média inglesa, de reduzido orçamento e de lucros invejáveis, muito como
resultado do agrado que conheceu junto das plateias mundiais.
A VELHA DESCOBRE O CRIME
Título original: Murder at the Gallop
Realização: George Pollock (Inglaterra, 1963);
Argumento: James P. Cavanagh, segundo romance de Agatha Christie ("After
the Funeral"); Produção: George H. Brown, Lawrence P. Bachmann; Música:
Ron Goodwin; Fotografia (p/b): Arthur
Ibbetson; Montagem: Bert Rule; Casting: Irene Howard; Direcção artística: Frank
White; Guarda-roupa: Maude Churchill, Charles Monet, Masada Wilmot;
Maquilhagem: Eddie Knigh, Pearl Orton; Direcção de Produção: Sydney Streeter;
Assistentes de realização: Basil Rayburn, Edward Dorian; Departamento de arte:
Tom Jung; Som: David Bowen, A.W. Watkins; Efeitos especiais: Tom Howard;
Companhias de produção: George H. Brown Productions, Metro-Goldwyn-Mayer
British Studios; Intérpretes:
Margaret Rutherford (Miss Jane Marple), Stringer Davis (Mr. Stringer), Robert
Morley (Hector Enderby), Flora Robson (Miss Milchrest), Charles 'Bud' Tingwell
(Inspector Craddock), Gordon Harri (Sargento Bacon), Robert Urquhart (George
Crossfield), Katya Douglas (Rosamund Shane), James Villiers (Michael Shane),
Noel Howlett (Mr. Trundell), Finlay Currie (Velho Enderby), Duncan Lamont
(Hillman), Kevin Stoney (Doutor Markwell), Frank Atkinson, Roger Avon, Jack
Dearlove, Fred Griffiths, Joan Ingram, Paddy Smith, Guy Standeven, etc. Duração: 81 minutos; Distribuição em
Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 12 anos;
GEORGE POLLOCK (1907–1979)
George Pollock
nasceu a 27 de Março de 1907 em Leicester, Leicestershire, Inglaterra, e viria
a falecer a 22 de Dezembro de 1979, com 72 anos, em Thanet, Kent, Inglaterra.
Iniciou a sua carreira no cinema na década de 30, como assistente de
realização, actividade que desempenhou durante anos. Colaborou com David Lean
em várias obras deste, como “Brief Encounter”, “Great Expectations” e “Oliver
Twist”. Como realizador estreia-se em 1957, em “Stranger in Town “. A sua coroa
de glória são quatro adaptações de obras de Agatha Christie, no início da
década de 60, tendo como protagonista Miss Marple, interpretada pela fabulosa
Margaret Rutherford: “O Estranho Caso da Velha Curiosa” (1961), “A Velha
Descobre o Crime” (1963), “A Velha Investiga” (1964) e “O Regresso da Velha
Curiosa” (1964). Voltaria à obra da escritora em 1965, com a versão de “Ten
Little Indians”, mas sem os mesmos resultados. Teve ainda vários trabalhos para
televisão, como “Interpol Calling”, “Zero One”, “Gideon's Way” e “Danger Man”.
Filmografia
Como
realizador: 1957: Stranger in Town; 1958: Rooney; Sally's Irish
Rogue; 1959: Don't Panic Chaps!; Broth of a Boy; 1960: And the Same to You;
Interpol Calling (TV); 1961: Murder She Said (O Estranho Caso da Velha
Curiosa); 1962: Village of Daughters; Kill or Cure; 1962-1963: Zero One (TV);
1963: Murder at the Gallop (A Velha Descobre o Crime); 1964: Murder Most Foul
(A Velha Investiga); Murder Ahoy (O Regresso da Velha Curiosa); 1965: Ten
Little Indians (Dez Convites Para a Morte); 1966: Danger Man (TV); 1967:
Gideon's Way (TV).
MARGARET RUTHERFORD
(1892-1972)
Margaret Taylor
Rutherford nasceu a 11 de Maio de 1892, em Balham, Londres, Inglaterra, e
faleceu a 22 de Maio de 1972, em Chalfont St. Peter, Buckinghamshire,
Inglaterra, com 80 anos, vítima de pneumonia. Apesar da sua aparência
bonacheirona e simpática, Margaret Rutherford teve uma vida acidentada e uma
infância não muito feliz. Filha única de William Rutherford Benn e de Florence
Nicholson, era oriunda de uma família importante, contando nela com nobres e
políticos. Mas o pai, que sofria de problemas mentais, foi acometido por um
colapso nervoso na lua-de-mel, e foi internado num asilo. Tinha alta nos
feriados e a 4 de Março de 1883, matou o pai, o reverendo Julius Benn, um
ministro do Congregacionalismo, tentando suicidar-se a seguir. Sobreviveu,
voltou ao isolamento do Hospital Broadmoor para criminosos. Alguns anos mais
tarde, libertado, supostamente curado de sua doença mental, mudou o apelido
para Rutherford, e voltou para sua esposa. Viajaram até à Índia, mas Margareth
regressou a Inglaterra, e aos cuidados de uma tia, Bessie Nicholson, educadora
de infância, depois da mãe se ter enforcado numa árvore. O pai voltou
igualmente a Inglaterra, de novo a Broadmoor, onde morreu em 1921. Rutherford foi educada na Wimbledon High School e na
Royal Academy of Dramatic Art. Estreou-se no Old Vic, em 1925, quando tinha 33
anos. A sua aparência física não a ajudava a ser uma heroína romântica, mas
impôs-se como personagem característica, aparecendo nalguns filmes importantes
dos anos 40, como na obra de David Lean “Uma Mulher do Outro Mundo” (1945), que
adaptava uma peça de Noel Coward, “Blithe Spirit”, onde ela criava a personagem
de Madame Arcati, que, conjuntamente com a figura de Miss Marple permanecem as
suas interpretações de referência. "Nunca pretendi fazer comédia. Sempre
me surpreendo quando o público acha engraçado tudo o que faço", escreveu
Margaret na sua autobiografia. Casada com o actor Stringer Davis em 1945, era
vulgar vê-los representar conjuntamente. Na década de 1950, Rutherford e Davis
adoptaram o escritor Gordon Langley Hall, quando este já estava na casa dos 20
anos. Hall, pouco depois, mudou de sexo, passando a assinar como Dawn Langley
Simmons, sendo com este novo nome que escreveu uma biografia de Rutherford, em
1983.
Em 1961, ela
interpretou, pela primeira vez, o papel de Miss Marple, iniciando uma série de
quatro filmes baseados em obras de Agatha Christie, e dirigidos por George
Pollock. Em 1964, ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Actriz Secundária
pelo seu trabalho no filme “The V.I.P.s”. Apareceu ainda em “Chimes at
Midnight”, de Orson Welles, de 1966.
Recebeu a ordem
de Officer of the British Empire (OBE), em 1961, e depois um Dame Commander of
the British Empire (DBE), em 1967. Nos derradeiros tempos da sua vida sofria de
Alzheimer. Dame Margaret Rutherford morreu em Maio de 1972 e foi enterrada no
cemitério de St. James Church, Gerrards Cross, Buckinghamshire, Inglaterra,
onde iriam igualmente repousar os restos de seu marido Stringer Davis, que
morreu em Agosto de 1973,
Filmografia
Como actriz: 1936: Troubled Waters, de Albert Parker (não
creditada); Dusty Ermine, de Bernard Vorhaus; Talk of the Devil, de Carol Reed;
1937: Catch As Catch Can, de Roy Kellino; Missing, Believed Married, de John Paddy Carstairs; Big Fella, de J. Elder Wills; Beauty and the Barge, de
Henry Edwards; 1938: Spring Meeting, de John Gielgud (TV); Have You Brought
Your Music? (TV); 1941: Quiet Wedding (Pedido de Casamento), de Anthony
Asquith; 1943: Yellow Canary (Contra-Espionagem), de Herbert Wilcox; The Demi-Paradise (Metade do
Paraíso), de Anthony Asquith; 1944: English Without Tears (Pátria Acolhedora),
de Harold French; 1945: Blithe Spirit
(Uma Mulher do Outro Mundo), de David Lean; 1946: The Importance of Being
Earnest (TV); 1947: Meet Me at Dawn (Espero-te de Madrugada), de Peter Creswell
e Thornton Freeland; While the Sun Shines, de Anthony Asquith; 1948: Miranda
(Sereia Tentadora), de Ken Annakin; 1949: The Happiest Days of Your Life (Os
Mais Felizes Dias da Sua Vida), de Frank Launder; 1950: Passport to Pimlico (Passaporte para
Pimlico ou Passaporte para o Paraíso), de Henry Cornelius; Quel Bandido Sono Io
ou Her Favourite Husband, de Mario Soldati; 1950-1958: BBC Sunday-Night Theatre
(TV); 1951: The Magic Box, de John Boulting; 1952: Curtain Up, de Ralph Smart;
The Importance of Being Earnest (A Importância de se Chamar Ernesto), de
Anthony Asquith; Castle in the Air, de Henry Cass; Miss Robin Hood, de John
Guillermin; 1953: Innocents in Paris (Inocentes em Paris), de Gordon Parry;
Trouble in Store (A Loja do Doido), de John Paddy Carstairs; 1954: The Runaway
Bus de Val Guest; Mad about Men (Doidinha Por Homens), de Ralph Thomas; Aunt
Clara, de Anthony Kimmins; 1955: An Alligator Named Daisy, de Jack Lee
Thompson; 1957: The Smallest Show on Earth (Luzes sem Ribalta), de Basil
Dearden; Just My Luck de John Paddy Carstairs; 1957: Dick and the Duchess (TV); 1959: I'm All
Right Jack (Simpático Idiota), de John Boulting; 1959: Farewell, Farewell,
Eugene (TV) 1960: ITV Television Playhouse (TV); The Day After Tomorrow (TV);
1961: On the Double (Um General e Meio), de Melville Shavelson; Murder she Said
(O Estranho Caso da Velha Curiosa), de George Pollock; 1962: Zero One (TV);
1963: ITV Play of the Week (TV); The Mouse on the Moon (Um Rato em Órbita), de
Richard Lester; Murder at the Gallop (A Velha Descobre o Crime), de George
Pollock; The V.I.P.s ou International Hotel (Hotel Internacional), de Anthony
Asquith; 1964: Murder Most Foul (A Velha Investiga), de George Pollock; Murder
Ahoy (O Regresso da Velha Curiosa) de George Pollock; 1965: The Alphabet
Murders (O Alfabeto do Crime), de Frank Tashlin; 1965: The Stately Ghosts of
England (TV); Chimes at Midnight (As Badaladas da Meia Noite), de Orson Welles;
1966: A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong), de Charles Chaplin; The Wacky World of Mother
Goose, de Jules Bass (só voz); Jackanory (TV); Arabella (Arabela), de Mauro
Bolognini.
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