domingo, 6 de julho de 2014

SESSÃO 26: 8 DE JULHO DE 2014


NA TERRA COMO NO CÉU (1963)

Não será um obra-prima da comédia inglesa, como as que os Ealing Studio produziu uma década antes, mas “Heavens Above!” merece alguma atenção por diversos motivos. Um dos principais será certamente a interpretação de Peter Sellers, que por esses anos se começava a notabilizar impondo-se como um dos principais actores do cinema inglês, progredindo depois numa carreira internacional com a maioria dos seus sucessos a surgirem nos EUA: quem não o recorda, entre muitos outros, em “Dr. Estranhoamor”, “Lolita”, a série “Pantera-Cor-de Rosa” ou nessa magnifica comédia “A Festa”?
Depois haverá que reconhecer que a dupla de irmãos John Boulting e Roy Boulting teve um papel interessante como produtores, argumentistas e realizadores de um certo tipo de obras, seguramente viradas para o grande público, mas ainda assim com preocupações sociais e cinematográficas, acima da média. Finalmente, o argumento de “Na Terra como no Céu”, muito embora algumas facilidades, oferece um conjunto de aspectos interessantes, sobretudo na forma como aborda a questão religiosa, aqui referindo-se à igreja inglesa, mas que facilmente se pode extrapolar para quase todas as outras. Há ainda objectivas criticas a algumas formas de governo, do capitalismo ao comunismo, que merecem reflexão.

Recordemos então o essencial da intriga: a paróquia de uma pequena localidade inglesa necessita de um novo vigário, e o arcebispo (Cecil Parker), que conhece bem um tal John Smallwood, propõe-no para o lugar. Quando vão localizar a sua fica e colocá-lo no seu novo destino, trocam as fichas e em vez de um John Smallwood, enviam um outro John Smallwood (Peter Sellers). Se o visado pelo arcebispo era um padre convencional que iria fazer o que o conservadorismo da igreja sempre fez, o John Smallwood que chega à paróquia, saiu de uma cadeia, onde era capelão, e traz ideias muito pouco ortodoxas, que vão escandalizar a comunidade. Ele procura ajudar os mais humildes, os pobres, lutar contra certos preconceitos (como o racismo), mas acaba também ele por cometer algumas ingenuidades. O filme aponta a sua critica à hierarquia da igreja, mas igualmente aos interesses instalados, mas igualmente ao idealismo ingénuo do vigário. Neste sentido, e apesar de se mostrar como uma comédia sem grandes ambições, “Heavens Above!” é um sintomático retrato das contradições vividas pela sociedade inglesa (e ocidental) deste período histórico.
Peter Sellers tem um bom trabalho, num tipo de humor discreto, comedido, eficaz, bem acompanhado por todo o elenco, e a realização dos irmãos Boulting é também ela eficiente, discreta, explorando com graça alguns paradoxos socias. Um tipo de obra que tipifica bem um período onde a comédia de grande público não tendia a estupidificar as plateias, mas, pelo contrário, as levava a pensar sobre a sociedade, de certa forma bem alicerçada na realidade.

NA TERRA COMO NO CÉU
Título original: Heavens Above!
Realização: John Boulting, Roy Boulting (Inglaterra, 1963); Argumento: John Boulting, John Boulting, Frank Harvey, segundo ideia de Malcolm Muggeridge; Produção: John Boulting, Roy Boulting; Música: Richard Rodney Bennett; Fotografia (p/b):  Mutz Greenbaum;  Montagem: Teddy Darvas; Direcção artística: Albert Witherick; Guarda-roupa: David Ffolkes; Maquilhagem: Gerry Fletcher, Stuart Freeborn, Barbara Ritchie; Direcção de Produção: Michael F. Johnson; Assistentes de realização: Derek Cracknell, Henry Emery, Malcolm Johnson; Departamento de arte: Peter Childs, Alan Evans, Roy Walker, Frank Willson; Som: Chris Greenham, Red Law; Efeitos visuais: John Mackey, George Samuels, Wally Veevers; Companhias de produção: Charter Film Productions, Romulus; Intérpretes: Peter Sellers (Padre John Smallwood), Cecil Parker (Arcebispo Aspinall), Isabel Jeans (Lady Despard), Ian Carmichael (o outro Smallwood), Bernard Miles (Simpson), Brock Peters (Matthew Robinson), Eric Sykes (Harry Smith), Irene Handl (Rene Smith), Miriam Karlin (Winnie Smith), Joan Miller (Mrs. Smith-Gould), Miles Malleson (Rockeby), Eric Barker, William Hartnell, Roy Kinnear, Joan Hickson, Kenneth Griffith, Mark Eden, John Comer, Basil Dignam, Franklyn Engelman, Colin Gordon, Geoffrey Hibbert, Joan Heal, Ludovic Kennedy, Marjie Lawrence, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Universal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de Agosto de 1968.

PETER SELLERS (1925-1980)
Nascido em Southsea, Hampshire, Inglaterra, a 8 de Setembro de 1925, Peter Sellers (cujo nome de baptismo era Richard Henry Sellers) foi actor, realizador, cantor, entertainer, escritor. Morreu, de ataque de coração, a 24 de Julho de 1980, em Londres, Inglaterra. Filho de um casal de actores, que actuavam numa companhia dirigida pela avó, estudou no St. Aloysius College e estreou-se em 1945 em espectáculos teatrais, como imitador. Serve na R. A. F., e no fim da II Guerra Mundial, consegue salientar-se na rádio e na TV (“The Goon Show”,, BBC, 1949-1956, ao lado de Spike Miligan, Michael Bentine e Harry Secombe), iniciando-se no cinema em 1951, ainda que anteriormente tivesse intervindo em algumas curtas-metragens e documentários, o que prossegue posteriormente, nomeadamente em “Humor Abstrato” (The Running, Jumping, Standing Still Film), uma de de Richard Lester (Inglaterra, 1959), uma das melhores curtas-metragens de humor dessa década. A partir de 1955 confirma-se como um dos mais inteligentes, criativos e finos intérpretes ingleses, num tipo de humor iniciado por Alec Guinness, com quem trabalhou no primeiro grande sucesso da sua carreira, “O Quinteto era de Cordas”. Prosseguiu uma actividade regular na ITV e lançou alguns discos gravados como cançonetista. Foi prémio de interpretação no Festival de San Sebastian de 1962 por “A Valsa do Galanteador”. É na década de 60 que se impõe como uma actor notável e de grande sucesso de crítica e de público, em filmes como “What's New, Pussycat” (1965), ao lado de um promissor Woody Allen que se estreava, na série “A Pantera Cor-de-Rosa” (cujo título inicial data de 1963), ou em obras de Stanley Kubrick, como “Lolita” ou “Dr. Estranho Amor”. A sua única experiência como realizador assumida integralmente é “Topaze”, mas teve uma outra tentativa, “The Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu”, cuja de foi iniciada por si, mas não terminada por entretanto falecer. Mas a sua grande aposta nos derradeiros anos de vida foi “Being There”. Peter Sellers leu o livro em 1972, achou que seria um papel à sua medida, e lutou por ele durante sete anos. Em 1979, nomeado para o Óscar de melhor actor, perderia a estatueta para Dustin Hoffman, em “Kramer vs. Kramer”. Um falhanço que deixaria o actor profundamente angustiado. No ano seguinte, morreria, vítima de um ataque cardíaco. Na revista Empire, numa consulta aos leitores, Peter Sellers ficou em 84º lugar entre os 100 maiores actores de todos os tempos. Casado com Anne Howe (entre 1950 e 1962, dois filhos, Michael Sellers e Sarah Sellers), Britt Ekland (de 1964 a 1968, uma filha, Victoria Sellers), Miranda Quarry (de 1970 a 1974) e Lynn Frederick (entre 1977 e 1980).

Filmografia
Como actor

1951: Penny Points to Paradise, de Tony Young; 1952: Down Among the Z Men, de Maclean Rogers; 1954: Orders are Orders, de David Paltenghi; 1955: John and Julie, de William Fairchild; The Ladykillers (O Quinteto era de Cordas), de Alexander Mackendrick; Case of the Mukkinese Battle Horn, de Joseph Sterling; 1957: The Smallest Show on Earth (Luzes sem Ribalta), de Basil Dearden; The Naked Truth (A Verdade Nua), de Mario Zampi; 1958: Tom Thumb (O Pequeno Polegar), de George Pal; Up The Creek, de Val Guest; Carlton-Browne oftThe F.O. (Diplomata em Apuros), de Roy Boulting, John Boulting e Jeff Dell; 1959 The Mouse That Roared (O Rato que Ruge), de Jack Arnold; I'm All Right, Jack (Simpático Idiota), de John Boulting; The Running, Jumping, Standing Still Film (Humor Abstrato), de Richard Lester (curta-metragem); 1960: The Battle of the Sexes (Uma Mulher Tranquila), de Charles Crichton; Two Way Stretch (Arma de Dois Gumes), de Robert Day; 1961: Never Let Go (Sem Olhar Para Trás), de John Guillermin; The Millionairess (A Milionária), de Anthony Asquith; Mr Topaze (Topaze), de Peter Sellers; The Road to Hong Kong          (A Caminho de Hong-Kong), de Norman Panamá; 1962: Only Two Can Play (A Segunda Mulher), de Sidney Gilliat; Lolita (Lolita), de Stanley Kubrick; Waltz of the Toreadors (A Valsa do Galanteador), de John Guillermin; 1963: The Dock Brief, de James Hill; Heavens Above (Na Terra Como No Céu), de John Boulting, Roy Boulting; The Wrong Arm of the Law (O Braço Esquerdo da Lei), de Cliff Owen; The Pink Panther (A Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; Dr. Strangelove (Dr. Estranho Amor), de Stanley Kubrick; The World of Henry Orient (O Mundo de Henry Orient), de George Roy Hill; 1964: A Shot in the Dark (Um Tiro às Escuras), de Blake Edwards; 1965: What's New Pussycat (O Que Há de Novo, Gatinha?), de Clive Donner; The Wrong Box  (A Fabulosa Troca de Caixões), de Bryan Forbes; 1966: After The Fox ou Caccia Alla Volpe (A Raposa Dourada), de Vittorio de Sica; 1967: Casino Royale (Casino Royal), de John Huston, Ken Hughes, Val Guest, Robert Parrish, Joe McGrath, Richard Talmadge; The Bobo (O Bobo), de Robert Parrish; Woman Times Seven (Sete Vezes Mulher), de Vittorio de Sica; 1968: The Party (A Festa), de Blake Edwards; I Love You Alice B. Toklas (A Borboleta Vermelha), de Hy Averback; Candy (Candy), de Christian Marquand; 1969: The Magic Christian (Um Beatle no Paraíso), de Joseph Mc Grath; 1970: Hoffman (Hoffman), de Alvin Rakoff; There's A Girl In My Soup (Está uma Rapariga na Minha Sopa), de Roy Boulting; 1971: Where Does It Hurt? (Onde é que Doi?), de Rod Amateau; 1972: Alice's Adventures in Wonderland (As Aventuras de Alice), de William Sterling; 1973: The Blockhouse (O Fortim), de Clive Rees; The Optimists of Nine Elms, de Anthony Simmons; Soft Beds, Hard Battles (Batalhas Duras em Camas Moles), de Roy Boulting; Ghost in the Noonday Sun, de Peter Medak; 1974: The Great Mcgonagall, de Joseph McGrath; The Return of the Pink Panther (A Volta da Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; 1976: Murder By Death, de Robert Moore; The Pink Panther Strikes Again (A Pantera Cor-de-Rosa Volta a Atacar), de Blake Edwards; 1978: Revenge of the Pink Panther (A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; 1979: The Prisoner of Zenda (O Prisioneiro de Zenda), de Richard Quine; 1980: Being There (Bem-Vindo, Mr. Chance), de Hal Ashby; The Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu, de Piers Haggard.
Como argumentista: 1951: Let's Go Crazy; 1956: The Case of the Mukkinese Battle Horn (material adicional); 1959: The Running Jumping & Standing Still Film; 1967: Casino Royale (não creditado); 1969: The Magic Christian (material adicional); 1979: Balham, Gateway to the South ;
Como realizador: 1959: The Running Jumping & Standing Still Film; 1961: Mr. Topaze; 1980: The Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu (não creditado); 
Como cantor: 1966: Caccia Alla Volpe (A Raposa Dourada);
Como produtor: 1959: The Running Jumping & Standing Still Film; 1978: Revenge of the Pink Panther;
Como montador: 1959: The Running Jumping & Standing Still Film;
Participação pessoal:
1957: Eric Sykes Presents Peter Sellers (série de TV); 1965: Music of Lennon & McCartney (TV); 1966: El Rey en Londres ou Crónica Espectacular y Rítmica de una Visita Real; 1967: With Love, Sophia (TV); 1968: The Goon Show (TV); 1970: Simon Simon; 1972: The Last Goon Show of All (TV); 1975: Peter Sellers og Hans Verden (TV); 1977: To See Such Fun;
Utilização de imagens de arquivo de Peter Sellers: 1976: America at the Movies; 1985: Muppet Video: Rowlf's Rhapsodies with the Muppets; 1996: Spike (TV); 2000: The Unforgettable Hattie Jacques (TV); 2000: The 100 Greatest TV Ads (TV) (voz); The Unknown Peter Sellers (TV); 2001: The Sketch Show Story; Wild About Harry: A Tribute to Sir Harry Secombe (TV); 2002: Liza Minnelli: The E! True Hollywood Story (TV); 2003: Behind the Laughter; 2004: The 76th Annual Academy Awards;
Aparições especiais: 1967: ABC Stage 67 (episódio "David Frost's Night Out in London", de 2 de Fevereiro de 1967); 1969: It Takes a Thief (episódio "Who'll Bid Two Million Dollars?" de 2 de Outubro de 1969); 1969: London aktuell (episódio de 9 de Novembro de 1969); 1969: Rowan & Martin's Laugh-In (episódio de 15 de Setembro de 1969); 1969: Rowan & Martin's Laugh-In (episódio de 17 de Novembro de 1969); 1969: This Is Tom Jones (episódio de 7 de Fevereiro de 1969); 1970: Rowan & Martin's Laugh-In (episódio de 16 de Março de 1970); 1971: V.I.P.-Schaukel (episódio de 9 de Maio de 1971); 1972 – Sykes – episódio "Stranger" (19 de Outubro de 1972); 1973: Dean Martin Show (episódio de 5 Abril de 1973); 1997 –The Muppet Show (episódio de 6 de Dezembro de 1977); 1997: Heroes of Comedy: episódio "The Goons".

JOHN E ROY BOULTING 
(1913 - 1985, 2001)
John Edward Boulting nasceu a 21 de Novembro de 1913, em Bray, Berkshire, Inglaterra, e viria a falecer a 17 de Junho de 1985, com 71 anos, em Sunningdale, Berkshire, Inglaterra. Roy Alfred Clarence Boulting nasceu no mesmo dia, ou não fossem gémeos, e viria a falecer a 5 de Novembro de 2001, com 87 anos, em Eynsham, Oxfordshire, Inglaterra.
Filhos de Rose Bennet e Arthur Boulting, ficaram conhecidos pelos Irmãos Boulting. Em 1937 fundaram uma casa produtora de filmes Charter Film Productions. Escreveram, produziram e realizaram filmes em conjunto, ou em separado, mas quase sempre os dois em funções separadas. Ficaram conhecidos por algumas interessantes comédias de crítica social, entre as décadas de 50 e 60, como “Private's Progress” (1956), “Lucky Jim” (1957), “I'm All Right Jack” (1959) ou “Heavens Above!” (Na Terra Como no Céu, 1963). Trabalhram com um grupo de actores mais ou menos constante, Ian Carmichael, Richard Attenborough, Terry-Thomas, Dennis Price, John Le Mesurier, Irene Handl, ou Miles Malleson. Durante a Guerra Civil espanhola, Roy alistou-se nas Brigadas Internacionais de apoio à República. Foi piloto da RAF durante a II Guerra Mundial. 
Roy foi casado com Angelina Warnock (1936–1941), Jean Capon (1942–1951), Enid Munnik (1951–1968), Hayley Mills (1971–1976), Sandra Spencer (1978–1984) e Anne Boulting (?–1985). O irmão mais velho destes gémeos, Sydney Boulting, sob o nome de Peter Cotes, ficou conhecido como actor e produtor teatral, sendo o primeiro encenador de “The Mousetrap”.
Filmografia
Filmes dirigidos conjuntamente: 1950: Seven Days to Noon; 1954: Seagulls Over Sorrento; 1960: Suspect; 1963: Heavens Above! (Na Terra Como no Céu);
Filmes dirigidos só por John Boulting: 1945: Journey Together (Jornada Heróica); 1947: Brighton Rock; 1951: The Magic Box; 1956: Private's Progress; 1957: Lucky Jim; 1959: I'm All Right Jack (Simpático Idiota); 1965: Rotten to the Core; 1979: The Number;

Filmes dirigidos só por Roy Boulting: 1937: Consider Your Verdict (curta-metragem); 1937: The Landlady (curta-metragem, documentário); 1939: Inquest; 1939: Trunk Crime; 1940: Pastor Hall; 1941: Dawn Guard (curta-metragem); 1942: Thunder Rock (O Farol das Ilusões); 1943: Vitória do Deserto (documentário, não creditado); 1944: Tunisian Victory (documentário, co-dirigido com Frank Capra); 1946: Burma Victory (documentário); 1947: Fame Is the Spur; 1948: The Guinea Pig; 1951: High Treason (Alta Traição); 1953: Sailor of the King (O Marinheiro do Rei); 1955: Josephine and Men (Josefina e os Homens); 1956: Run for the Sun (Rumo ao Sol); 1956: Kraft Television Theatre (TV); 1957: Brothers in Law; 1958: Happy is the Bride; 1959: Carlton-Browne of the F.O.; 1960: French Mistress; 1966: The Family Way (Este Difícil Amor) ; 1968: Twisted Nerve (O Anormal); 1970: There's a Girl in My Soup (Caiu Uma Rapariga na Minha Sopa); 1974: Soft Beds, Hard Battles (Duras Batalhas em Camas Fofas); 1979: The Last Word; 1985: The Moving Finger (TV). 

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