domingo, 6 de julho de 2014

SESSÃO 31: 23 DE JULHO DE 2014


OS COMEDIANTES (1967)

Em 1967, data da estreia do filme, o Haiti era ainda governado por François Duvalier, mais conhecido por “Papa Doc”, um médico e etnólogo de boa reputação entre os habitantes locais, que, chegado ao poder, em 1957, criou uma das mais violentas e selváticas ditaduras de que há memória, instituindo um regime centralizador e autoritário, com o apoio do governo norte-americano, e de uma guarda pessoal de uma crueldade indescritível, que ficou conhecida por “Tontons Macoutes”. Em poucos meses destruiu a oposição, aprisionou directores de jornais e rádios, assumiu o controlo de toda a informação e propaganda, onde se chegava a intitular “deus”. Taxou os concidadãos com um imposto obrigatório para a construção de Duvalierville, “a cidade de Duvalier”, para dar satisfação à sua megalomania e encher os seus cofres. Expulsou bispos e padres católicos que não lhe eram favoráveis, expropriou terras e construiu grandes academias para instrução dos “seus” “Tontons Macoutes”. Como resultado desta política, nos anos 60 e 70, o Haiti era a nação mais pobre das Américas, o índice de analfabetismo estava entre os mas baixos, a saúde pública vegetava em estado caótico, e não restava um vestígio de democracia. Morreu em 1971, e o seu filho, Jean-Claude Duvalier, herdou o trono e ficou conhecido por “Baby Doc”.
Graham Green, o escritor inglês, esteve no Haiti, pela primeira vez, na década de 50, quando o país era governado ainda por Magloire, eram tempos pobres, mas de certa dignidade social. Nessa altura, conheceu algumas figuras que iriam servir de inspiração para personagens do seu romance “The Comedians” editado em 1966. Esteve instalado no hotel Oloffson (mais tarde o “Trianon” do romance), onde conviveu com hóspedes, e visitou o bordel de Mère Catherine. Tudo isto conta Graham Green que afirmou, nessa altura, estar longe de pensar escrever um romance. Mas tal aconteceu, e Duvalier nunca lhe perdoou a ousadia. Replicou de várias formas: "O livro não está bem escrito, como obra de um escritor e de um jornalista, não tem nenhum valor”. Foi mais longe. Editou um opusculo, em francês e inglês, para distribuir por todo o mundo: "Graham Greene Demasque Finally Exposed". O tiro saiu-lhe pela culatra e, no ano seguinte, americanos, franceses e ingleses levam para o cinema a obra. Com bons resultados. Um elenco brilhante, bons técnicos e o próprio Graham Green a adaptar o seu romance a uma nova linguagem. As recordações do escritor terminam por confessar “sentir orgulho por ter auxiliado os amigos que corajosamente combatiam nas montanhas contra Duvalier, mas um escritor não tem tanto poder como calcula, e uma caneta não substitui uma bala de prata”.
Rodado no Benim e em França (região de Nice), “The Comedians” acompanha com grande fidelidade a intriga do romance que se inicia pela chegada a Port-au-Prince de um navio que traz de regresso ao Haiti Brown (Richard Burton), dono de um decadente hotel, o casal Smith (Paul Ford e Lillian Gish), dois velhos americanos vegetarianos, pacifistas e ingénuos, e o falso Major H. O. Jones (Alec Guinness), inglês que se gaba das suas façanhas na Birmânia, e parece que afinal nada mais faz do que transaccionar armas. Vão todos parar ao hotel Oloffson, um deles passando entretanto pela cadeia de Duvalier, e são eles, juntamente com outros que entretanto se vão juntando ao drama, os “comediantes” desta história de mentiras e falsidades, de aparências e de embustes, mas também de verdades que se escondem, de medos e coragens, de heróis e de traidores. Em paralelo com esta panorâmica histórica, política e social sobre o Haiti, desenrola-se uma história de amor que reúne o casal Richard Burton / Elisabeth Taylor, o que permite algumas cenas de um intenso erotismo que por esses anos dimanava destes dois actores sempre que se abraçavam. O argumento é interessante, bem desenvolvido, joga com um certo folclore local, vudu, luta de galos, etc., sem cair no folclorismo barato, e o elenco é suportado por um conjunto de talentos fora de vulgar, desde Richard Burton, Elizabeth Taylor, Alec Guinness, Peter Ustinov, James Earl Jones, Cicely Tyson, até os veteranos Paul Ford e Lillian Gish. A realização de Peter Glenville é segura, eficaz, tradicional na narrativa, sem sobressaltos, corre ligeira, aqui e ali pontuada por um efeito de montagem que não destoa e sublinha uma ideia, e uma banda sonora bem conseguida, sobretudo através da música de Laurence Rosenthal, que se adapta bem ao suspense nervoso da intriga.
Nem só de obras-primas vive uma cinematografia, mas também de obras de produção corrente, executadas com honestidade e qualidade. Tal como o romance de Graham Green, também o filme de Peter Glenville terá tido a sua quota-parte de efeito no desmascarar internacional das atrocidades do regime de Papa Doc. O que não seria nada de desprezar, mas há muito mais a saudar neste filme que volta a transpor para a tela, com êxito evidente, o universo tumultuoso de paixões em fúria do grande escritor inglês.

OS COMEDIANTES
Título original: The Comedians
Realização: Peter Glenville (EUA, França, Inglaterra, 1967); Argumento: Graham Greene, segundo romance do próprio ("The Comedians"); Produção: Peter Glenville; Música: Laurence Rosenthal;  Fotografia (cor):  Henri Decaë; Montagem: Françoise Javet; Direcção artística: François de Lamothe; Direcção de Produção:  Lucien Lippens, Louis Wipf; Assistentes de realização: Jean-Michel Lacor; Departamento de arte: Robert Christidès; Som: Jonathan Bates, Jacques Carrère, Cyril Swern; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), Maximillian Productions, Trianon; Intérpretes: Richard Burton (Brown), Elizabeth Taylor (Martha Pineda), Alec Guinness (Major H. O. Jones)=, Peter Ustinov (Embaixador Manuel Pineda), Paul Ford (Smith), Lillian Gish (Mrs. Smith), Georg Stanford Brown (Henri Philipot), Roscoe Lee Browne (Petit Pierre), Gloria Foster (Mrs. Philipot), James Earl Jones (Dr. Magiot), Zakes Mokae (Michel), Douta Seck, Raymond St. Jacques, Cicely Tyson, Robin Langford, Dennis Alaba Peters, etc. Duração: 150 minutos; Distribuição em Portugal: Warner; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Setembro de 1969.

PETER GLENVILLE (1913-1996)
Peter Patrick Brabazon Browne nasceu a 28 de Outubro de 1913, em Hampstead, Londres, Inglaterra, e viria a falecer em Nova Iorque, a 3 de Junho de 1996, com 82 anos. Foi actor e realizador, ficando conhecido por Peter Glenville. Os pais eram Shaun Glenville, um comediante irlandês, e Dorothy Ward, intérprete de pantomimas. Foi educado por jesuítas no Stonyhurst College, uma das principais escolas públicas católicas da Inglaterra, e de lá foi para Christ Church, Oxford, onde estudou Filosofia do Direito. Na universidade, ingressou na Oxford University Dramatic Society (OUDS) e em 1934, tornou-se seu presidente. Durante os anos seguintes, Glenville dividiu-se entre o teatro e o cinema, como actor, onde desenvolveu gradualmente o seu interesse pela realização. Em 1944, estreia-se nestas funções na Companhia Old Vic. Após a II Guerra Mundial, Glenville conheceu Hardy William Smith, tornam-se companheiros e colaboradores. Peter Glenville era encenador, Smith produtor de peças de teatro em Londres e Nova Iorque. Glenville estreou-se na encenação na versão da Broadway da peça do dramaturgo inglês Terence Rattigan, “The Browning Version” (1949). Seguem-se-lhe “The Innocents” (1950), de Henry James, “Romeo and Juliet”, de Shakespeare (1951), “Separate Tables” (1954), de Terence Rattigan, “The Prisoner” (1954) e “Hotel Paradiso” (1957), de Georges Feydeau. A versão cinematográfica de “The Prisoner” seria o seu primeiro trabalho como realizador. Seguiram-se muitos outros sucessos tanto como encenador, como realizador. Peter Glenville foi nomeado para quatro Tony Awards, dois Golden Globe Awards (“Becket” e “Me and the Colonel”), um Óscar (“Becket”) e um Leão de Ouro no Festival de Veneza por “Term of Trial”. Morreu em Nova Iorque, de enfarte de miocárdio.

Filmografia
Como realizador: 1955: The Prisoner (O Prisioneiro); 1958: Me and the Colonel (Jacobowsky e o Coronel); 1961: Summer and Smoke (Fumo de Verão); 1962: Term of Trial (Final de Julgamento); 1964: Becket (Becket); 1966: Hotel Paradiso (Hotel Paraíso); 1967: The Comedians (Os Comediantes).
Como actor: 1940: His Brother's Keeper, de Roy William Neill; Return to Yesterday, de Robert Stevenson; Two For Danger, de George King; 1942: Uncensored, de Anthony Asquith; 1944: Heaven Is Round the Corner (Cantinho do Céu), de Maclean Rogers; 1945: Madonna of the Seven Moons (A Mulher das Sete Luas), de Arthur Crabtree; 1948: Good-Time Girl (Revoltada), de David MacDonald; 1958: Me and the Colonel (Jacobowsky e o Coronel), de Peter Glenville; 1966: Hotel Paradiso (Hotel Paraiso), de Peter Glenville.

RICHARD BURTON (1925-1984)
Richard Walter Jenkins nasceu a 10 de Novembro de 1925, em Pontrhydfen, País de Gales, Reino Unido, e morreu a 5 de Agosto de 1984, com 58 anos, em Genebra, Suíça.
Foi o penúltimo dos doze filhos da família Jenkins, cujo pai era um apaixonado por poesia. Richard não pensava em ser actor, mas sim professor. Mas estreou-se no teatro aos 17 anos, a convite do dramaturgo Emilyn Williams. Passou a utilizar o pseudónimo Burton, em homenagem a um professor que na adolescência o incentivou a seguir a carreira do teatro. Formou-se em Oxford e serviu durante três anos na Real Força Aérea Britânica. Já em Londres, ficou conhecido pelas suas interpretações em obras de Shakespeare, principalmente “Hamlet” e “Henrique IV”. Interpretou o primeiro filme em 1949, “The Last Days of Dolwyn”. Nos anos 60 era uma figura mítica da cena internacional, aparecendo em filmes como “Cleópatra” (1963), “Hotel Internacional” (1963), “Quem tem Medo de Virgínia Woolf” (1966), A Fera Amansada” (1967) e “Os Comediantes” (1967), entre outros. Nestes, sempre ao lado da sua mulher Elizabeth Taylor, com quem se casou e divorciou duas vezes, protagonizando um dos casos mais mediáticos dessa época. “Quem tem medo de Virginia Woolf?” parecia baseado na sua vida privada, com confrontos e alcoolismo, paixão e excessos múltiplos. Posteriormente, foi casado com a modelo Susan Hunt, e depois com a assistente de produção da BBC, Sally Hay. Morreu de cirrose hepática, aos 58 anos, depois de um violento processo de autodestruição, que o levou a tomar, durante muitos anos, uma garrafa de vodca todas as manhãs. Encontra-se sepultado no Cemitério Vieux, Céligny, em Genebra, na Suíça.
Richard Burton foi nomeado sete vezes para o Oscar e nunca venceu. Em 1952, foi nomeado como Melhor Actor Secundário, em “A Minha Prima Raquel”. Depois, sempre como Melhor Actor, em 1953, por “A Túnica”, em 1964, por “Becket”, em 1965 por “O Espião que Veio do Frio”, em 1966, por “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, em 1969, por “Rainha por Mil Dias”, e finalmente em 1977, por “Equus”. Ganhou dois BAFTAS, com “O espião que Veio do Frio” e “Quem tem medo de Virginia Woolf?”. Guardou um Tony como Melhor Actor de teatro musical, em “Camelot”.

Filmografia
Como actor: 1949: The Last Days of Dolwyn, de Emlyn Williams; Now Barabbas was a Robber, de Gordon Parry; 1950: The Woman with No Name, de Ladislao Vajda; Waterfront (Vida sem Sol), de Michael Anderson; BBC Sunday-Night Theatre (TV) - The Lady's Not for Burning; 1951: Green Grow the Rushes, de Derek Twist; For the Children (TV) - King Henry IV, Parte 1; 1952: My Cousin Rachel (A Minha Prima Raquel), de Henry Koster; Celanese Theatre (TV) - Anna Christie; 1953: The Desert Rats (Ratos do Deserto), de Robert Wise; The Robe (A Túnica),  de Henry Koster; 1955: The Rains of Ranchipur (As Chuvas de Ranchipur), de Jean Negulesco; Prince of Players (O Príncipe dos Actores), de Philip Dunne; 1956: Alexander the Great (Alexandre, o Grande), de Robert Rossen; The James Mason Show (TV) – Performer; 1957: Bitter Victory (Cruel Vitória), de Nicholas Ray; Sea Wife (A Noiva do Mar), de Bob McNaught; 1958: The DuPont Show of the Month (TV) - Wuthering Heights; 1959: Look Back in Anger (Paixão Proibida), de Tony Richardson; Sen noci svatojánské (Sonho de uma Noite de Verão), de Jiří Trnka; 1960: BBC Sunday-Night Play (TV) - A Subject of Scandal and Concern; Borrowed Pasture (TV); 1960: The Tempest (TV); 1960: Buick-Electra Playhouse (TV) - The Fifth Column; 1960: The Bramble Bush (O Jogo da Vida), de Daniel Petrie; Ice Palace (A Fúria do Poder), de Vincent Sherman; 1962: The Longest Day (O Dia Mais Longo), de Ken Annakin; 1963: Cleopatra (Cleopatra), de Joseph L. Mankiewicz; The VIPs (Hotel Internacional), de Anthony Asquith; 1964: Zulu (Zulu), de Cy Endfield; Becket (Becket), de Peter Glenville; 1964: The Night of the Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston; Hamlet (Hamlet),  de Bill Colleran e John Gielgud; 1965: The Sandpiper (Adeus Ilusões), de Vincente Minnelli; The Spy who came in from the Cold (O Espião Que Saiu do Frio), de Martin Ritt; What's new, Pussycat ? (Que há de Novo, Gatinha?), de Clive Donner; The Days of Wilfred Owen (curta-metragem); 1966: Who's afraid of Virginia Woolf ? (Quem Tem Medo de Virginia Woolf?), de Mike Nichols; 1967: The Comedians (Os Comediantes), de Peter Glenville; Doctor Faustus (Doctor Faustus), de Nevill Coghill e Richard Burton; The Taming of the Shrew (A Fera Amansada), de Franco Zeffirelli; Wir sterben vor (curta-metragem); 1968: Boom (Choque), de Joseph Losey; Candy (Candy), de Christian Marquand; Here Eagles Dare (O Desafio das Águias), de Brian G. Hutton; 1969: Anne of the Thousand Days (Rainha por Mil Dias), de Charles Jarrott; Staircase, de Stanley Donen; Laughter in the Dark, de Tony Richardson (cenas cortadas na versão definitiva); 1971: Raid on Rommel (Os Veteranos de Tobruk) de Henry Hathaway; Villain (O Malandro), de Michael Tuchner; Mooch Goes to Hollywood (TV); 1972: Under Milk Wood, de Andrew Sinclair; The Assassination of Trotsky (O Assassinato de Trotsky), de Joseph Losey; Bluebeard (Barba Azul), de Edward Dmytryk; Hammersmith Is Out (A Engrenagem), de Peter Ustinov; 1973: Sutjeska (A Quinta Ofensiva), de Stipe Delic; Massacre in Rome (Massacre em Roma), de George P. Cosmatos; Divorce His - Divorce Hers (Divórcio), de Waris Hussein (TV); 1974: The Klansman (O Homem do Klan), de Terence Young; Il Viaggio (A Viagem), de Vittorio De Sica; The Gathering Storm, de Herbert Wise  (TV); Brief Encounter (Breve Encontro), de Alan Bridges (TV); 1975: Jackpot, de Terence Young; 1977: Exorcist II: The Heretic (O Exorcista II: O Herege), de John Boorman; Equus (Equus), de Sidney Lumet; 1978: Absolution (Absolvição), de Anthony Page; Sergeant Steiner (A Grande Ofensiva), de Andrew V. McLaglen; The Medusa Touch (O Toque da Medusa), de Jack Gold; The Wild Geese (Os Gansos Selvagens), de Andrew V. McLaglen; 1980: Circle of Two, de Jules Dassin; 1981: Lovespell, de Tom Donovan; 1983: Wagner, de Tony Palmer (TV); Great Performances (TV) - Alice in Wonderland; 1984: 1984 (1984), de Michael Radford; Ellis Island (TV).
Como realizador: 1967: Doctor Faustus (Doctor Faustus), de Nevill Coghill e Richard Burton;

Teatrologia (com indicação de encenador): 1943: Druide s Rest, de Emlyn Williams; 1944: Mesure for Mesure, de Nevill Coghill; 1948: Castle Anna, de Daphne Rye; 1949: The Lady’s not for Burning, de John Gielgud; 1950: The Boy With a Cart, de John Gielgud; A Phoenix too Frequent,de Christopher Fry; The Lady’s not for Burning, de John Gielgud; 1951: Henry IV de, Anthony Quayle; Henry V de, Anthony Quayle; The Tempest, de Michael Benthall; Legend of Lovers, de Peter Ashmore; 1952: Montserrat, de Michael Benthall; 1953: Hamlet, de Michael Benthall; 1953: Coriolanus, de Michael Benthall; Hamlet, de Michael Benthall; King John, de George Devine; The Tampest, de Robert Helpmann; Twelfth Night, de Michael Benthall; 1955: Henry V, de Michael Benthall; 1956: Othello, de Denis Carey; 1957: Time Remembered, de Albert Marre; 1960: Camelot, de Moss Hart; 1964: Hamlet de, John Gielgud; 1966: Doctor Faustus, de Nevill Coghill; 1970: Equus, de John Dexter; 1980: Camelot, de Frank Dunlop; 1983: Private Lives, de Milton Katselas. 

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