domingo, 6 de julho de 2014

SESSÃO 25: 2 DE JULHO DE 2014


O SENHOR DAS MOSCAS (1963)

“O Senhor das Moscas” (Lord of the Flies) é um importante romance de um Nobel inglês, William Golding, que, lançado em 1954, teve posteriormente um enorme sucesso e seria adaptado a cinema, inicialmente por Peter Brook, em 1963, mais tarde, em 1990, por Harry Hook. A versão de Peter Brook é aquela que nos ocupa e, definitivamente, a mais interessante, cotando-se como obra de referência na cinematografia inglesa, muito embora a de Harry Hook não seja de menosprezar, apesar de se desviar um pouco do original literário.
“Lord of the Flies” é uma alegoria que teve dificuldade em ser editada e que na sua primeira edição nos EUA não chegou a vender 3000 exemplares. O filme de Peter Brook ajudou a cimentar uma auréola mítica em redor da obra que rapidamente se transformou num romance de culto, bem assim como o filme. Presentemente, é um sucesso, um verdadeiro “clássico”, de leitura obrigatória em estabelecimentos de ensino. O título parece ser uma referência a Belzebu ou o Diabo e conta-nos, sob a forma de metáfora, o regresso à barbárie, tendo como protagonistas dois grupos de crianças de um colégio que, em tempo de guerra, e depois da queda de um avião numa ilha deserta, ficam retidos nessa ilha, entregues a si próprios, tendo de aprender (ou desaprender, segundo os pontos de vista) a sobreviver. É obvio que o tema da obra é filosófico e simbólico, com o grupo de jovens perdido numa floresta luxuriante, um autêntico Éden na Terra, abundante em comida, água e beleza natural, onde os adolescentes começam por coabitar sem grandes problemas, mas se vão dividindo depois em duas facções, uma delas procurando comandar e deter o poder, inventando ritos guerreiros e impondo chefes que iniciam a ditadura sobre os demais. A imagem de uma cabeça de porco, infestada de moscas, será o prenúncio da aparição do Mal, réplica da célebre serpente da Bíblia. 
Mas o livro e o filme são pródigos numa simbologia exemplar. Personagens existem que prenunciam conceitos essenciais na vida das sociedades. Ralph, escolhido por todos para a defesa do grupo, é obviamente um representante da democracia representativa, enquanto Jack prefigura o fascismo e as ditaduras que se impõem pela manipulação e a força. Há quem aceite submeter-se às ordens do tirano, e se organize em exércitos que espalham o medo e a violência. Mas há momentos e figuras que nos remetem para o pensamento místico ou científico, para a razão e para a crendice, para a ordem e a exaltação esquizofrénica, o progresso e a barbárie. Na verdade esta é uma metáfora social e política que procura perceber como se impõem as ditaduras, como se instala o Mal. Um Mal que pode brotar e germinar no coração dos mais jovens, dos mais puros ou dos mais impreparados, mercê das condições que os rodeiam.   
O filme de Peter Brook, um dos mais geniais homens de teatro do século XX, é uma adaptação conscienciosa do romance, recriando em imagem soberbas, num glorioso preto e branco, essa floresta onde explodem as paixões humanas. Há quem aponte curiosas semelhanças tanto do livro como do filme com as populares séries televisivas “Lost” ou “Survivor”. A verdade é que “Lord Of The Flies” tem influenciado, ao longo dos tempos, inúmeras outras obras, literárias, cinematográficas, musicais.
As filmagens decorreram em Porto Rico, em Aguadilla, El Yunque, e na ilha de Vieques, locais escolhidos por Peter Brook que, para seleccionar o seu jovem elenco, terá realizado um casting a mais de três mil crianças. Conta-se que Hugh Edwards, o miúdo que interpreta a figura de Piggy, conseguiu o papel ao escrever uma carta a Brook dizendo simplesmente: “Prezado Senhor, sou gordo e uso óculos”. Mas a selecção final é excelente e todo o elenco é de uma convicção e eficácia invulgares, contribuindo em muito para o sucesso final. A arte de Peter Brook transforma o filme num envolvente quadro que nos mostra o progressivo resvalar da convivência civilizada para uma competitiva e selvática batalha pelo poder. Saído da II Guerra Mundial, tanto William Golding como Peter Brook tinham bem presente o horror por que tinham passado e “O Senhor das Moscas” transmite-o brilhantemente.  

O SENHOR DAS MOSCAS
Título original: Lord of the Flies
Realização: Peter Brook  (Inglaterra, 1963); Argumento: Peter Brook, segundo romance de William Golding (Lord of the Flies); Produção: Lewis M. Allen, Gerald Feil, Al Hine; Música: Raymond Leppard; Fotografia (p/b):  Tom Hollyman ; Montagem: Peter Brook, Gerald Feil, Jean-Claude Lubtchansky;  Casting: Terry Fay, Michael Macdonald; Maquilhagem: Lydia Rodriguez; Guarda-roupa:  Susan Fletcher; Assistente de realização: Toby Robertson;  Som: Carter Harman, James Townsend;  Companhia de produção: Two Arts Ltd.; Intérpretes: James Aubrey (Ralph), Tom Chapin (Jack), Hugh Edwards (Piggy), Roger Elwin (Roger), Tom Gaman (Simon), Roger Allan (Piers), David Brunjes (Donald), Peter Davy (Peter), Kent Fletcher (Percival Wemys Madison), Nicholas Hammond (Robert), Christopher Harris (Bill), Alan Heaps (Neville), Jonathan Heaps (Howard), Burnes Hollyman (Douglas), Andrew Horne (Matthew), Richard Horne, Timothy Horne, Peter Ksiezopolski, Anthony McCall-Judson, Malcolm Rodker, David St. Clair, Rene Sanfiorenzo Jr., Jeremy Scuse, John Stableford, David Surtees, Simon Surtees, Nicholas Valkenburg, Patrick Valkenburg, Edward Valencia, John Walsh, David Walsh, Jeremy Willis, etc. Duração: 92 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Cópia DVD: Studio Canal (inglês, sem legendas); Classificação etária: M/ 12 anos.

PETER BROOK (1925- )
Peter Stephen Paul Brook nasceu a 21 de Março de 1925, em Londres, Inglaterra. Aos sete anos encenou e interpretou todos os papéis de “Hamlet”, numa “produção” caseira para a família. Durante a sua longa carreira tem sido encenador de teatro e ópera, escritor e realizador. Estudou em Westminster e no Magdalen College, Oxford. Começou a encenar no Birmingham Rep, Stratford Upon Avon e na Broadway. Em 1962, foi nomeado Director da Royal Shakespeare Company, ocupando o posto durante duas décadas. As mais célebres encenações suas foram de peças de Shakespeare, como "Love's Labour's Lost" (1946), "Measure for Measure" (1950), "Titus Andronicus" (1955), "King Lear" (1962) ou "A Midsummer Night's Dream" (1970), na Royal Shakespeare Company, e  ainda “Marat/Sade”, “Tempest”, “The Visit”, “Faust”, “The Fighting Cock”, “King Lear”, “Irma LaDouce”, ou “House of Flowers”. Em Paris, em 1971, Brook fundou o International Centre for Theatre Research (C.I.R.T), mais tarde, o International Center for Theatre Creations (C.I.C.T). Em Paris, encenou “Marat/Sade”, “Timon of Athens”, “The Iks”, “Ubu aux Bouffes”, “Conference of the Birds”, “L'Os”, “The Cherry Orchard”, “Tragedy of Carmen”, “The Mahabharata”, “Woza Albert!”, “The Tempest”, “Impressions of Pelleas”, “The Man Who”, “Qui est là?”, “Happy Days”, “Je suis un phénomène”, “Le Costume”, “The Tragedy of Hamlet” e “Far Away”. São célebres as suas encenações das óperas “La Bohème”, “Boris Godounov”, “The Olympians”, “Salomé” e “Le Nozze de Figaro” (no Covent Garden Opera House, em Londres), “Faust” e “Eugene Onegin” (na Metropolitan Opera, em Nova Iorque) e “Don Giovanni” (no Aix en Provence Festival). A sua carreira como realizador agrupa “O Senhor das Moscas” (1963), “Marat/Sade” (1967), “King Lear” (1971), “Moderato cantabile” (1960), “The Mahabharata” (1989) e “Meetings with Remarkable Men” (1979). Peter Brook escreveu uma autobiografia, "Threads of Time" (1998) e várias outras obras: "The Empty Space" (1968), "The Shifting Point" (1987) ou "There Are No Secrets" (1993). Casado com Natasha Parry (1951: até ao presente)
Foi condecorado como “Commander of the Order of the British Empire” (1965), e como “Companion of Honour” (1998). Concederam-lhe o “Laurence Olivier Theatre Award” e o “The Times Award for Outstanding Contribution to British Theatre” (1994). Em 19884 ganhara o “Laurence Olivier Theatre Special Award” pela sua contribuição ao teatro.  Em 1988 ganhou o “London Critics Circle Theatre Award (Drama Theatre Award)” para Melhor Encenador pelo seu trabalho em “The Mahabharata”. Na Broadway foi duas vezes o Melhor Encenador do ano (Tony Award), em 1966 por "Marat/Sade" e em 1971 por "A Midsummer Night's Dream". Duas outras nomeações: em 1959 por "The Visit", e em 1961, por "Irma la Douce".

Filmografia
Como realizador
1953: The Beggar's Opera (A Ópera dos Mendigos); 1956-1957: ITV Play of the Week (TV) (dois episódios: Hamlet, 1956, e Heaven and Earth, 1957); 1958: Box for One (TV); 1960: Moderato Cantabile; 1963: Lord of the Flies (O Senhor das Moscas); 1964: Puhelinkioski (TV); 1967: Marat/Sade; 1967: Ride of the Valkyrie (curta-metragem); 1968: Tell Me Lies; 1971: King Lear; 1979: Mesure pour Mesure (TV); 1979: Meetings with Remarkable Men; 1982: La Cerisaie (TV); 1983: La Tragédie de Carmen; 1984: A Paixão de Swann; 1989: The Mahabharata (TV) (três episódios: “War”, “Game of Dice” e “Exile in the Forest”); 2002: The Tragedy of Hamlet (TV).

WILLIAM GOLDING  (1911-1993)
William Gerald Golding nasceu a 19 de Setembro de 1911, em St Columb Minor, Cornwall, Inglaterra, e faleceu, de ataque cardíaco, a 19 de Junho de 1993, em Perranarworthal, Cornwall, Inglaterra. Casado com Ann Brookfield (1939 - 1993). Estudou na Marlbrough Grammar School (1921-1930) e no Brasenose College, Oxford (1930-1934). Serviu na marinha britânica na II Guerra Mundial. Professor de inglês na Bishop Wordsworth school, em Salisbury, quando escreveu o seu primeiro romance, "Lord of the Flies", publicado na editora Faber, em 1954, depois de ter sido recusado por mais de dez casas editoras. Deixou de leccionar em 1962, para se entregar por inteiro à escrita. Em 1980, ganhou o Booker Prize pelo romance "Rites of Passage".Prémio Nobel da Literatura em 1983. Um dia disse: “O homem produz o mal, como as abelhas produzem o mel”. Toda a sua obra é uma procura da razão do mal e, em simultâneo, do confronto entre a razão e a fé, com uma evidente preocupação ecológica.

Principais obras: Poems, 1934; Lord of the Flies (O Senhor das Moscas), 1954; The Inheritors, 1955; Pincher Martin, 1956; The Brass Butterfly, 1958; Free-fall, 1959; The Spire, 1964; The Hot Gates, 1965; The Scorpion God, 1971; Darkness Visible, 1979; A Moving Target, 1982; The Paper Men, 1984; An Egyptian Journal, 1985; Trilogia “To The Ends of the Earth”: Rites of Passage, 1980, Close Quarters, 1987, e Fire Down Below, 1989.

Filmografia
Como escritor: 1963: Lord of the Flies (O Senhor das Moscas), de Peter Brooks; 1975: Alkitrang dugo, de  Lupita Aquino-Kashiwahara (inspirado em "Lord of the Flies"); 1990: Lord of the Flies (O Senhor das Moscas), de Harry Hook; 2005: To the Ends of the Earth, de David Attwood (TV) (três episódios: Fire Down Below, Close Quarters, Rites of Passage).
Documentário: 2012 Arena (TV) - The Dreams of William Golding, de Adam Low. 


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