AS VIDAS E AVENTURAS
DE NICHOLAS NICKLEBY (1947)
Charles Dickens é um dos escritores mais adaptados
ao cinema e à televisão. Por vezes com muito bons resultados. A maioria das
suas obras encontraram boas transposições para o ecrã. “The Life and Adventures
of Nicholas Nickleby” é seu o terceiro romance, tendo surgido inicialmente em
opúsculos mensais, entre Abril de 1838 e Outubro de 1839. Cavalcanti,
brasileiro por nascimento, e um cineastas e errante, que dispersaria a sua obra
por vários países, instalou-se durante algum tempo em Inglaterra, primeiro na
companhia de documentaristas, como John Grieson, depois nos reputados Ealing
Studios, onde dirigiu diversas longas-metragens de ficção, a última das quais
foi precisamente “Nicholas Nickleby”. Lendo o romance percebe-se a minucia com
que Dickens descreve os ambientes vitorianos, e há quem diga que isso se ficou
a dever à sua anterior experiência como jornalista. Conta-se mesmo que para dar
maior veracidade à sua narração, nomeadamente o ambiente das escolas da época,
terá visitado algumas antes de escrever as páginas que a elas são consagradas.
Curiosamente, essa urgência de realismo parece ser igualmente uma das
características de Cavalcanti, que durante anos se dedicou ao documentarismo e
que, mesmo na ficção, oscilava entre um certo vanguardismo estético e uma obvia
propensão para herdar a lição do neo-realismo. O seu “The Life and Adventures
of Nicholas Nickleby” de 1947 está mais ligado a esta necessidade de realismo,
do que às suas excursões estéticas vanguardistas.
O longo romance de Dickens era de difícil adaptação
ao cinema e disso, de alguma forma se ressente o filme, dado que por vezes as
cenas se sucedem sem que se sinta a necessária densidade a envolvê-las. Algumas
das peripécias são apenas enunciadas, outras concentradas, muitas desaparecem. Mas
o essencial fica.
Nicholas Nickleby é um jovem que, por morte do pai,
se vê confrontado com a árdua tarefa de sustentar a família, composta pela irmã
e a mãe. Sem dinheiro próprio, nem emprego, Nicholas é enviado até junto de um
seu tio, Ralph Nickleby, homem endinheirado e usurário sem escrúpulos,
enriquecendo com base em expedientes diversos e sem o mais pequeno vislumbre de
caridade. A ajuda de Ralph a Nicholas é enviar este como professor para uma
miserável escola onde um execrável director explora os alunos e um criado,
Smike. Por outro lado, agradado das feições e dos modos da irmã de Nicholas,
Ralph contrata-a como governanta, com sigilosas intenções que obviamente não
são as melhores. A estrutura é melodramática. De um realismo social característico
de todo o Dickens, com dramáticas descrições de certos ambientes da sociedade
londrina do século XIX, o filme de Alberto Cavalcanti não fica à altura do
romance, mas é um bom exemplo de um certo tipo de cinema inglês deste período,
ainda que sem o talento demonstrado por David Lean nas suas magnificas
adaptações de “Oliver Twist” (1948) e de “Grandes Esperanças” (1946).
De todas as formas, Cavalcanti tem excelentes
momentos, nomeadamente nas sequências passadas em Dotheboys Hall, e os actores
são quase todos extremamente interessantes, com relevo para o brilhante Cedric
Hardwiche, na personagem do tio Ralph, construída com enorme economia de meios,
rigor e eficácia.
“The Life and Adventures of Nicholas Nickleby” não
é curiosamente uma das obras mais adaptadas pelo cinema e pela televisão,
sobretudo em Inglaterra. Há mais versões norte-americanas, por exemplo. Para
televisão há algumas versões: uma mini-série, de 1977, dirigida por Christopher
Barry, outra de Jim Goddard (1982), uma de 1985, para lá de uma outra, mais
antiga, de 1957, assinada por Eric Tayler. Mais recentemente conhece-se um
teledramático, de 2001, dirigido por Stephen Whittaker, e um filme de Douglas
McGrath, de 2003. Mas neste panorama, a versão de 1947, de Cavalcanti, será
ainda das mais interessantes.
AS VIDAS E AVENTURAS DE NICHOLAS NICKLEBY
Título original: The Life and Adventures of Nicholas Nickleby
Realização: Alberto Cavalcanti
(Inglaterra, 1947); Argumento: John Dighton, segundo romance de Charles
Dickens; Produção: Michael Balcon, John Croydon; Música: Lord Berners;
Fotografia (p/b): Gordon Dines; Montagem: Leslie Norman; Direcção artística:
Michael Relph; Guarda-roupa: Marion Horn; Maquilhagem: Barbara Barnard, Ernest
Taylor; Direcção de produção: Hal Mason, Jack Rix; Som: Stephen Dalby, Eric
Williams; Efeitos especiais: Lionel Banes, Cliff Richardson; Companhia de
produção: Ealing Studios; Intérpretes:
Derek Bond (Nicholas Nickleby), Cedric Hardwicke (Ralph Nickleby), Mary Merrall
(Mrs. Nickleby), Sally Ann Howes (Kate Nickleby), Bernard Miles (Newman Noggs),
Athene Seyler (Miss La Creevy), Alfred Drayton (Wackford Squeers), Sybil
Thorndike (Mrs. Squeers), Vida Hope (Fanny Squeers), Roy Hermitage (Wackford
Squeers Jnr.), Aubrey Woods, Patricia Hayes, Cyril Fletcher, Fay Compton,
Cathleen Nesbitt, Stanley Holloway, Vera Pearce, Una Bart, June Elvin, Drusilla
Wills, James Hayter, Emrys Jones, Roddy Hughes, George Relph, Jill Balcon,
Michael Shepley, Cecil Ramage, Timothy Bateson, Laurence Hanray, Frederick
Burtwell, John Salew, Arthur Brander, Eliot Makeham, John Chandos, Hattie Jacques, Dandy Nichols, Guy Rolfe,
etc. Duração: 108 minutos;
Distribuição em Portugal (dvd): ; Classificação etária: M/12 anos; Data de
estreia em Portugal: 3 de Dezembro de 1947.
ALBERTO CAVALCANTI
(1897-1982)
Alberto de Almeida Cavalcanti nasceu no Rio
de Janeiro, a 6 de Fevereiro de 1897, e viria a falecer em Paris, a 23 de
Agosto de 1982. Filho de um matemático célebre, foi considerado um jovem
precoce e aos 15 anos já estudava Direito da Universidade, mas uma discussão
com um professor levou-o a sair da universidade, rumando depois a genebra, na
Suíça, onde optou por arquitectura, e depois, em Paris, design de interiores. Entretanto conhece
Marcel L'Herbier, um cineasta francês vanguardista, com quem começa a trabalhar
como decorador, nomeadamente em “L'Inhumaine”. Depois começa a realizar os seus
próprios filmes, a partir de 1926, um dos primeiro dos quais é “Rien Que les
Heures”, um dia na vida de Paris e dos seus habitantes. No ano seguinte colabora com Walter Ruttmann
em “Berlin: Die Sinfonie der Großstadt”. A Paramount francesa contrata-o, mas o
estilo de filmes comerciais não o satisfaz, despede-se em 1933, e viaja até
Inglaterra, onde começa a trabalhar com o documentarista John Grierson, na GPO Film Unit. Trabalha ai
em vários projectos, dirigidos por si ou por outros, como “Coal Face” (1935), “Night Mail” (1936),
“Message to Geneva” (1937), “Four Barriers” (1937), ou “Spare Time” (1939).
Para continuar a trabalhar na GPO em cargos de maior responsabilidade era
necessário naturalizar-se inglês, e Cavalcanti sai da unidade, passando para os
Ealing Studios, em 1940, sob a direcção de Michael Balcon. Dirige várias longas
e curtas-metragens, algumas de propaganda:
“Yellow Caesar” (1941), “Went the Day Well?” (1942), “Three Songs of
Resistance” (1943), “Champagne Charlie” (1944), “Dead of Night” (ao lado de
outros realizadores) (1945) ou “Nicholas Nickleby” (1947). Incompatibilizado
com os Earling Studios, ainda filma mais três obras para outros estúdios
britânicos, mas depois regressa ao Brasil, em 1949. Assume o cargo de
produtor-geral na Companhia Cinematográfica Vera Cruz (está ligado a obras como
"Caiçara" (1950), "Terra é Sempre Terra" (1951), e
"Ângela" (1951). É convidado por Getúlio Vargas a erguer o Instituto
Nacional de Cinema, trabalha como realizador na empresa Cinematográfica
Maristela (em São Paulo), onde dirige "Simão, o Caolho" (1952),
"O Canto do Mar" (1953) e "Mulher de Verdade" (1954).
Começa então a ser perseguido como comunista, e resolve voltar à Europa,
trabalhando em vários países, em projectos diversificados, na RDA, França e
Israel. Morreu aos 85 anos em Paris.
Filmografia
Como realizador: (em França) 1926: Le Train Sans Yeux; Rien que les Heures;
1927: En Rade; Yvette; 1929: La Jalousie du Barbouille (curta-metragem); La
P'tite Lilie (curta-metragem); Le Capitaine Fracasse (O Capitão Fracasse); Le
Petit Chaperon Rouge; Vous Verrez la Semaine Prochaine; 1930: Toute sa Vie; A
Canção do Berço (Portugal); 1931: Dans Une Ile Perdue; Les Vacances du Diable;
A Mi-Chemin du Ciel; 1932: En Lisant le Journal (curta-metragem); Le Jour du
Frotteur (curta-metragem); Nous ne Ferons Jamais le Cinema (curta-metragem);
Revue Montmartroise (curta-metragem); Tour de Chant (curta-metragem); Le Truc
du Brésilien (curta-metragem); 1933: Coralie et Cie; Le Mari Garçon; 1933:
Plaisirs Defendus (curta-metragem);
(Em Inglaterra, para GPO e Crown Film
Units): 1934: The glorious Sixth of June: New rates (curta-metragem); New Rates
(curta-metragem); Pett and Pott: A fairy story of the suburbs (curta-metragem);
SOS Radio Service (curta-metragem); 1935: Coal Face (curta-metragem); 1936:
Message from Geneva (curta-metragem); 1937: The Line to Tschierva Hut
(curta-metragem); We Live in Two Worlds (curta-metragem); Who Writes to
Switzerland (curta-metragem); 1938: Mony a pickle (curta-metragem); Happy in
the morning: A film fantasy; Four Barriers (curta-metragem); 1939: The First
Days (documentário); Men of the Alps (curta-metragem); Midsummer Day's Work
(curta-metragem); The Chiltern country; 1940: Alice in Switzerland; La Cause
Commune; Factory front; Mastery of the sea; 1941: Yellow Caesar
(curta-metragem); Young Veteran (curta-metragem); 1942: Went the day well?; 48
Hours (48 Horas de Terror); Film and Reality;
(Em Inglaterra , nos Ealing Studios e
outros) 1941: Yellow Caesar (curta-metragem); 1942: Went the Day Well?; 1943:
Watertight (curta-metragem); 1944: Champagne Charlie; 1945: Dead of Night (A
Dança da Morte) (episódios "Christmas Party"e "The
Ventriloquist's Dummy"); 1947: The Life and Adventures of Nicholas
Nickleby (Nicholas Nickleby); The First Gentleman (A Prisioneira do Castelo de
Windsor); They Made me a Fugitive; 1948: Affairs of a Rogue; 1949: For them
that Trespass; 1952: Simão, o Caolho (Simão o Caolho); 1953: O Canto do Mar (O
Canto do Mar); 1954: Mulher de Verdade (Mulher de Verdade); 1955: Herr Puntila
und Sein Knecht Matti; 1957: Castle in the Carpathians; 1958: La Prima Notte;
1960: The Monster of Highgate Pond; 1967: Thus Spake Theodor Herzl
Sem comentários:
Enviar um comentário