O HOMEM DO FATO CLARO (1951)
Alexander
Mackendrick vinha de uma época dedicada ao documentarismo e ao filme de
propaganda bélica de que se ocupou durante quase toda a II Guerra Mundial. Mas,
acabada a guerra, em 1946, integra a
equipa de cineastas dos Ealing Studios, onde
durante nove anos realiza alguns dos grandes clássicos da comédia
inglesa deste período, como “Whisky Galore!” (1949), “The Man in the White
Suit” (1951) ou “The Ladykillers”
(1955). São obras de um humor muito especial, que prolonga a herança de “Oito
Vidas por um Título”, conjugando uma ironia discreta, mas ácida, um humor negro
por vezes, mas sempre com uma elegância de estilo e uma posse indubitavelmente
britânica. Raras vezes uma cinematografia consegue reunir em tão curto espaço
de tempo, um tal conjunto de obras que reflectem de forma tão sábia e nítida o
modo de ser de um povo, sobretudo na sua vertente humorística.
O
filme parte de uma peça teatral da autoria de Roger MacDougall que conheceu
algum sucesso um palcos londrinos. Roger MacDougall era primo e amigo de Alexander Mackendrick e este resolveu adaptar
a obra a cinema, com a colaboração do dramaturgo e de John Dighton. Não era a
primeira vez que MacDougall e Mackendrick trabalhavam juntos em argumentos para
cinema, que outros dirigiam. Desta feita seria Alexander Mackendrick a realizar
este projecto nas condições previstas pelos estúdios onde trabalhavam e na
época em que o mesmo foi concretizado, pouco depois de terminada a guerra e com
o país ainda em reconstrução. Produção barata, filmada a preto e branco, munida
de excelentes actores, é verdade, que todavia não deveriam receber muito de
cachet, apesar de muitos deles serem primeiras figuras do teatro e do cinema
ingleses.
“The
Man in The White Suit” organiza-se tendo como base um argumento muito
inteligente, original, astuto na análise das situações, com uma sábia
utilização dos elementos puramente cinematográficos para fazer avançar a
história e simultaneamente criar uma densidade de intenções críticas
assinalável.
Sidney
Stratton (Alec Guinness), empregado numa fábrica de têxteis dirigida por Alan
Birnley (Cecil Parker), é um entusiasta por descobertas cientificas e químicas
em particular. Aproveitando o relativo descontrolo da fábrica, conseguira
ganhar um cantinho para as suas experiências, instalando alambiques,
serpentinas e outros copos e vasos com líquidos em ebulição, enquanto vai
arrumando os armazéns. Um dia, porém, Alan Birnley, a sua filha Daphne Birnley
(Joan Greenwood) e Michael Corland
(Michael Gough), o pretendente à sua mão e, sobretudo, à sua riqueza, visitam a
fábrica, descobrem ocasionalmente o discreto reduto do inventor, que não dá
provas da sua genialidade, e é despedido. De desgraça em desgraça, mas com uma
fé inabalável numa descoberta revolucionária, Sidney acabará mesmo por inventar
o tecido nunca visto nem sequer imaginado: algo que não se rompe, que não se
estraga, que não se suja. Um tecido para a eternidade, no fundo. Uma invenção
que pode retirar a Humanidade da necessidade de comprar novos fatos. Algo de
verdadeiramente espectacular, não fora um pequeno pormenor: as fábricas
fechariam, os patrões deixariam de ganhar, os operários perderiam os empregos,
e instalar-se-ia o caos na economia. Logo, é necessário perseguir e destruir o
inventor de semelhante ameaça para capitalistas e operários, que unidos se
lançam na perseguição desse “homem do fato claro”. Patronato e sindicatos de
acordo, quando a ameaça é conjunta. Capital e trabalho de mãos dadas.
Com
uma serenidade narrativa muito britânica, e um humor deliciosamente subtil, mas
truculento, Mackendrick conduz a sua obra com uma displicente ironia,
criticando métodos e processos de uma sociedade capitalista assente sobre o
lucro e na vertigem do consumo, para assegurar que a máquina continue a
laborar.
Não
são muitos os meios de que o realizador dispõe mas há dois ou três essenciais
para o bom desempenho da obra. De um lado a interpretação, superiormente dominada
por um Alec Guiness magnifico, numa composição entre o ingénuo perplexo e o persistente
cabotino. Depois a banda sonora que domina toda a película, com o efeito
causado pelas maquinetas do inventor em plena laboração (esse inolvidável
"guggle glub guggle") e que marca o ritmo da obra, injectando-lhe um
uma nevrótica cadência. Haverá ainda que
referir a excelente fotografa, de um preto e branco onde, nas sequências
finais, sobressai o fato imaculado de Sidney, que parece adquirir uma estranha
fosforescência.
“O
Homem do Fato Claro” é na verdade uma das grandes comédias do humor inglês da
década de 40 do século XX e um dos títulos que deu fama à sua fábrica de
origem: os Earling Studios.
O HOMEM DO FATO CLARO
Título original: The Man in the White
Suit
Realização: Alexander Mackendrick (Inglaterra, 1951); Argumento:
John Dighton, Alexander Mackendrick, Roger MacDougall, segundo peça teatral
deste último; Produção: Michael Balcon,
Sidney Cole; Música: Benjamin Frankel;
Fotografia (p/b): Douglas Slocombe; Montagem: Bernard Gribble; Casting:
Margaret Harper Nelson; Direcção artística:
Jim Morahan; Guarda-roupa:
Anthony Mendleson; Maquilhagem:
Barbara Barnard, Harry Frampton, Ernest Taylor; Direcção de Produção:
Hal Mason, L.C. Rudkin; Assistentes de realização: David Peers, John Assig,
Terry Bishop, Jim O'Connolly; Departamento de arte: Norman Dorme, Andrew Low;
Som: Stephen Dalby, Mary Habberfield;
Efeitos especiais: Sydney Pearson, Efeitos visuais: Geoffrey Dickinson;
Companhias de produção: J. Arthur Rank Organisation, An Ealing Studios Production;
Intérpretes: Alec Guinness (Sidney
Stratton), Joan Greenwood (Daphne Birnley), Cecil Parker (Alan Birnley),
Michael Gough (Michael Corland), Ernest Thesiger (Sir John Kierlaw), Howard
Marion-Crawford (Cranford), Henry Mollison (Hoskins), Vida Hope (Bertha),
Patric Doona (Frank), Duncan Lamont, Harold Goodwin, Colin Gordon, Joan Harben,
Arthur Howard, Roddy Hughes, Stuart Latham, Miles Malleson, Edie Martin, Mandy
Miller, Charlotte Mitchell, Olaf Olsen, Desmond Roberts, Ewan Roberts, John
Rudling, Charles Saynor, Russell Waters, Brian Worth, George Benson, Frank
Atkinson, Charles Cullum, F.B.J. Sharp, Scott Harold, Jack Howarth, Jack
McNaughton, Judith Furse, Billy Russell, David Boyd, Alan Haines, Arthur
Mullard, Carol Wolveridge, etc. Duração:
85 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/
12 anos; Data de estreia em Portugal: 22 de Maio de 1952.
ALEXANDER MACKENDRICK
(1912 – 1993)
Nasceu
a 8 de Setembro de 1912, em Boston, Massachusetts, EUA, e viria a falecer a 22
de Dezembro de 1993, com 81 anos. Filho Francis Robert Mackendrick, engenheiro
civil que trabalhava na construção naval, e de Martha Mackendrick, originários
de Glasgow, na Escócia, e que haviam emigrado para os EUA em 1911. Quando tinha
apenas seis anos, o pai morreu, vítima de “gripe espanhola”, a mãe foi obrigada
a trabalhar como costureira, e enviou o filho de volta à Escócia, para casa do
avô paterno. Alexander Mackendrick, que teve uma infância difícil, nunca mais
ouviu falar da mãe. Estudou na escola de Hillhead de 1919 a 1926, e depois arte
na Glasgow School of Art. No inicio dos anos 30, Mackendrick parte para
Londres, onde começou a trabalhar numa agencia de publicidade, J. Walter Thompson. Entre 1936 e 1938 escreve
alguns argumentos para filmes publicitários. Em 1937, escreve o argumento de
“Midnight Menace”, como o seu primo e melhor amigo Roger MacDougall.
Durante
a II Guerra Mundial, Mackendrick esteve ao serviço do Ministério da Informação
para realizar filmes de propaganda pró-britânica. Em 1942, instalado na
Argélia, onde desempenhava importantes funções da Psychological Warfare
Division, roda filmes de actualidades, documentários e dá luz verde para Rossellini
filmar “Roma, Cidade Aberta”. Acabada a guerra, ele e o primo aparecem na
Merlin Productions, rodando documentários, mas, em 1946, junta-se aos Ealing Studios, onde durante nove anos realiza grande parte da sua
obra inglesa, com filmes como “Whisky Galore!” (1949), “The Man in the White
Suit” (1951) ou “The Ladykillers”
(1955), todos eles clássicos da comédia inglesa.
Ainda
em 1955, Mackendrick troca a Inglaterra pelos EUA. O resto da sua vida será
passada entre Londres e Los Angeles, desenvolvendo uma longa actividade como
argumentista, para lá de realizador. “Sweet Smell of Success” (1957) é a sua
obra de estreia nos EUA, uma produção Hecht-Hill-Lancaster que colheu críticas
muito favoráveis e os favores do público. Regressa depois a Inglaterra para
rodar para os mesmos produtores “The Devil’s Disciple”, mas desencontros vários
levaram a que o realizador fosse substituído por Guy Hamilton que assina
finalmente a obra. Desencorajado, passa algum tempo a trabalhar para
publicidade e regressa ao cinema com “Sammy Going South” (1963), o belíssimo “A
High Wind in Jamaica” (1965) ou “Don't Make Waves” (1967).
De
volta aos EUA em 1969, torna-se professor no California Institute of the Arts,
até 1993, quando uma pneumonia fatal o atingiu. Os restos mortais repousam no
Memorial Park Cemetery de Westwood Village.
Filmografia
Como realizador:
1949:
Whisky Galore!; 1951: The Man in the White Suit (O Homem do Fato Claro); 1952:
Mandy (Mandy, a Surda Muda); 1954: The Maggie (Loucuras de Milionário); 1955:
The Ladykillers (O Quinteto era de Cordas); 1957: Sweet Smell of Success
(Mentira Maldita); 1959: The Devil's Disciple (O Aprendiz do Diabo), assinado
por Guy Hamilton, Mackendrick não creditado; 1961: The Guns of Navarone (Os
Canhões de Navarone), assinado por Jack Lee Thompson, Mackendrick não
creditado; 1963: Sammy Going South (Só Contra o Mundo); 1964: The Defenders
(série de TV) (1 episódio “The Hidden Fury”); 1965: A High Wind in Jamaica
(Tempestade na Jamaica); 1967: Oh Dad, Poor Dad, Mama's Hung You in the Closet
and I'm Feeling So Sad, assinado por
Richard Quine, Mackendrick não creditado; 1967: Don't Make Waves (Não
Faças Ondas).
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