segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SESSÃO 53: 4 DE NOVEMBRO DE 2014


TRAINSPOTTING (1996)

Partindo de um romance de Irvine Welsh que se transformou rapidamente num grande sucesso editorial, adaptado ao teatro e posteriormente ao cinema, “Trainspotting” assinala a segunda obra cinematográfica de uma equipa que se havia distinguido pouco tempo antes com a sua estreia em “Shallow Grave”. Peter Boyle teria a consagração com “Quem Quer Ser Bilionário?”, em 2008.
Em “Pequenos Crimes Entre Amigos”, três companheiros de roubo disputavam uma mala com dinheiro, esquema que é mais ou menos repetido pelo escritor Irvine Welsh, o realizador Danny Boyle e o produtor Andrew MacDonald no seu trabalho seguinte. Há igualmente uma mala cheia de droga, trocada depois por uma mala repleta de notas, disputada por vários companheiros de destino. Eles formam um grupo de heroinómanos de Edimburgo que está na base desta obra. Mas esta linha de ficção é pouco importante ao longo do filme e serve sobretudo para introduzir algumas anotações de humor negro. O essencial no filme é, todavia, o tom quase documental com que se acompanha este grupo de drogados à roda dos vinte anos, que se afunda no consumo de heroína que tenta depois abandonar, para recair sem remorsos, traficando nos intervalos para conseguir dinheiro para se auto-abastecer.
O tom é quase sempre de um realismo sem concessões, desde as cenas de consumo da droga até à sequência em que o protagonista ensaia uma cura de desintoxicação. Muitos momentos, cenas de grupo na casa onde habitam, em pubs ou em discotecas, fazem lembrar o free cinema dos anos 60 e toda a tradição realista do melhor cinema inglês, que na actualidade é mantida por Ken Loach ou Mike Leigh. Mas a narração em off, assegurada pelo actor Ewan McGregor, e algumas outras sequências, relembram “A Laranja Mecânica”, de Kubrick, e o seu universo de uma violência epidérmica. É, aliás, através desse recurso a um certo onirismo negro que “Trainspotting” se afasta do puro realismo, em duas ou três sequências de devaneio e pesadelo. Numa delas, Mark Renton, depois de ter perdido dois supositórios de droga, mergulha literalmente na latrina do mais nojento WC, procurando recuperar esses dois passaportes para os tais "paraísos artificiais" de que fala a lenda. Noutra, um recém-nascido que entretanto morrera durante uma festa mais animada do grupo, aparece gatinhando no tecto do quarto.

Falando de "paraísos artificiais", este é talvez um dos primeiros filmes onde, apesar de tudo, se tenta compreender porque recorre às drogas quem delas depende. E fala-se mesmo numa possível felicidade que o seu consumo pode trazer. Felicidade que se contrapõe ao pesado quotidiano, à mediocridade da vida em família, à agressividade da competição profissional, à absoluta miséria moral circundante. A opção pela droga é aqui quase reivindicada como um direito e não é por acaso que nalgumas cenas surge o "Perfect Day", cantado por Lou Reed, como banda sonora.
O sucesso internacional que este filme conheceu, e a polémica por si desencadeada, mostram bem que nem só de obras cor-de-rosa as plateias mundiais têm necessidade. Mas o equívoco pode igualmente instalar-se, pois um filme como “Trainspotting” pode igualmente ser consumido como um degrau mais na escalada de violência e abjecção no cinema. De todas as maneiras, trata-se de um marco na história do cinema inglês, inclusive por essa forma despreconceituada como é tratado o consumo de drogas e a sua ligação a uma sociedade doente, onde os indivíduos não se sentem integrados e optam por paraísos artificiais para ultrapassar o mal-estar dominante. Um bom retrato de uma certa juventude. 

TRAINSPOTTING
Título original: Trainspotting
Realização: Danny Boyle (Inglaterra, 1996); Argumento: John Hodge, segundo romance de Irvine Welsh; Produção: Andrew Macdonald; Fotografia (cor):  Brian Tufano; Montagem: Masahiro Hirakubo; Casting: Andy Pryor, Gail Stevens; Design de produção: Kave Quinn; Direcção artística: Tracey Gallacher; Guarda-roupa:  Rachael Fleming; Maquilhagem: Graham Johnston, Robert McCann; Direcção de Produção: Lesley Stewart; Assistentes de realização: David Gilchrist, Claire Hughes, Ben Johnson; Departamento de arte: Gordon Fitzgerald, Colin H. Fraser, Stephen Wong; Som: Tony Cook, Jonathan Miller, Colin Nicolson; Efeitos especiais: Perry Costello; Efeitos visuais: Grant Mason, Tony Steers; Companhias de produção: Channel Four Films, Figment Films, The Noel Gay Motion Picture Company; Intérpretes: Ewan McGregor (Renton), Ewen Bremne (Spud), Jonny Lee Miller (rapaz doente), Kevin McKidd  (Tommy), Robert Carlyle (Begbie), Kelly Macdonald (Diane), Peter Mullan (Swanney), James Cosmo (Mr. Renton), Eileen Nicholas (Mrs. Renton), Susan Vidler (Allison), Pauline Lynch (Lizzy), Shirley Henderson (Gail), Stuart McQuarrie, Irvine Welsh (Mikey Forrester), Dale Winton, Keith Allen, Kevin Allen, Annie Louise Ross, Billy Riddoch, Fiona Bell, Vincent Friell, Hugh Ross, Victor Eadie, Kate Donnelly, Finlay Welsh, Eddie Nestor, Tom Delmar, Rachael Fleming, John Hodge, Andrew Macdonald, Archie MacPherson, etc. Duração: 94 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 18 anos; Data de estreia em Portugal: 1 de Novembro de 1996.  

DANNY BOYLE (1956 - )
Daniel Boyle nasceu a 20 de Outubro de 1956, em Radcliffe, Manchester, Inglaterra. Oriundo de uma família da classe operária irlandesa, católica. Esteve destinado a seguir uma carreira eclesiástica, mas aos 14 anos foi um padre que o dissuadiu a deixar o seminário. Hoje considera-se “um ateu espiritualista”. Rapidamente assumiu a sua paixão pelo “drama”, passou a estudar no Thornleigh Salesian College, em Bolton, depois na Bangor University, cursos de Inglês e Drama. Casou-se então com a actriz Frances Barber. Continua a considerar que entre o “Drama” (teatro, cinema) e a Igreja há muitos pontos de contacto e dá como exemplo o facto de realizadores como Martin Scorsese, John Woo ou M. Night Shyamalan, todos terem frequentado o seminário. Juntou-se à Joint Stock Theatre Company e, em 1982, passou para a  Royal Court Theatre, onde encenou “The Genius”, de Howard Brenton e “Saved”, de Edward Bond. Encenou depois, na Royal Shakespeare Company, cinco espectáculos, e em 2010, dirigiu no Old Vic Theatre um espectáculo de uma noite, “The Children's Monologues”, com Sir Ben Kingsley, Benedict Cumberbatch, Tom Hiddleston, Gemma Arterton e Eddie Redmayne. Ainda no teatro, encenou em 2011 “Frankenstein”, para o National Theatre. Foi da responsabilidade de Boyle o espectáculo de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Começou a trabalhar em televisão em 1987, na BBC, onde desde aí desenvolve actividade regular. No cinema estreia-se com “Shallow Grave” que, com “Trainspotting”, o levam a ser considerado “Best Newcomer Award” em 1996,  pelo London Film Critics Circle. Conta que o filme que o levou a apaixonar-se pelo cinema foi “Apocalypse Now”.
“The Beach”, “28 Days Later”, “Millions”, “Sunshine”, são os seus filmes seguintes, mas o triunfo internacional concretiza-se com “Slumdog Millionaire” (2008), e posteriormente com “127 Hours”. Prepara actualmente uma sequela de “Trainspotting”, intitulada “Porno”. Em toda a história do cinema só oito cineastas conseguiram o que Danny Boyle alcançou com “Quem Quer Ser Bilionário?”: o Oscar, o Globo de Ouro, o BAFTA e o Director's Guild, todos para o Melhor Realizador do Ano. Os outros sete são: Mike Nichols ( A Primeira Noite, 1967), Milos Forman (Voando Sobre Um Ninho de Cucos, 1975), Richard Attenborough (Gandhi, 1982), Oliver Stone (Platoon - Os Bravos do Pelotão, 1986), Steven Spielberg (A Lista de Schindler, 1993), Ang Lee (O Segredo de Brokeback Mountain, 2005), e Alfonso Cuaron (Gravidade, 2013). Entre 1983 e 2003 manteve uma relação com a directora de arte Gail Stevens, de quem tem três filhos. 

Filmografia
Cinema / Como realizador / longas metragens: 1994: Shallow Grave (Pequenos Crimes Entre Amigos); 1996: Trainspotting (Trainspotting); 1997: A Life less ordinary (Vidas Diferentes); 2000: The Beach (A Praia); 2002: 28 Days Later (28 Dias Depois); 2004: Millions (Milhões); 2007: Sunshine (Missão Solar); 2008: Slumdog Millionaire (Quem Quer Ser Bilionário?); 2010: 127 Hours (127 Horas); 2013: Trance (Transe); 2014: Porno (anunciado).
Cinema / Como realizador / curta-metragem: 2002: Alien Love Triangle;
Televisão / Como realizador: 1987: The Venus de Milo Instead; Inspector Morse (2 episódios); 1987: Scout; 1989: The Hen House; 1989: 1989-1993; Screenplay (3 episódios); The Nightwatch; 1989: Monkeys; 1991: For the Greater Good (3 episódios); 1993: Mr. Wroe's Virgins  (3 episódios); 2001: Strumpet; 2001: Vacuuming Completely Nude in Paradise; 2011: National Theatre Live:  Frankenstein; 2012: London 2012 Olympic Opening Ceremony: Isles of Wonder; 2014: Babylon.

EWAN MCGREGOR (1971 - )
Ewan Gordon McGregor nasceu a 31 de Março de 1971, em Perth, Perthshire, Escócia, Reino Unido, filho de um casal de professores, Carol Diane e James Charles McGregor. Aos 16 anos deixou a Morrison Academy para ingressar no Perth Repertory Theatre. Estudou arte de representar em Kirkcaldly, em Fife, cursando depois a London's Guildhall School of Music and Drama, ao lado de Daniel Craig e Alistair McGowan. Estreia-se na televisão na mini-série  “Lipstick on Your Collar”, de Dennis Potter, no Channel 4 (1993). O seu primeiro grande papel no cinema acontece em “Pequenos Crimes Entre Amigos” (1994), de Danny Boyle, com quem trabalha regularmente. “O Livro de Cabeceira” (1996) e “Trainspotting” (1996) confirmam-no como um dos grandes actores do mais recente teatro e cinema ingleses. Célebre pelo seu trabalho em “Star Wars”, criando a personagem de Obi-Wan Kenobi. Casado com a designer Eve Mavrakis. Em 2013 foi nomeado Oficial da Ordem do Império Britânico. Ao longo da sua carreira arrecadou dezenas de prémios e distinções internacionais.

Filmografia

Como actor: 1993: Lipstick on Your Collar (TV);  The Scarlet and the Black (TV); Family Style (TV); 1994: Being Human (Gente Como Nós), de Bill Forsyth; Shallow Grave (Pequenos Crimes Entre Amigos), de Danny Boyle; Doggin' Around (O Pianista), de Desmond Daves (TV); 1995: Blue Juice, de Carl Prechezer; Kavanagh Q.C.(TV); 1996: Tales from the Crypt (Contos de Arrepiar)(TV); Karaoke (TV); Emma (Emma), de Douglas McGrath; Trainspotting (Trainspotting), de Danny Boyle; Brassed Off  (Os Virtuosos ), de Mark Herman; The Pillow Book (O Livro de Cabeceira), de Peter Greenaway; 1997: A Life Less Ordinary  (Vidas Diferentes); The Serpent's Kiss (O Beijo da Serpente), de Philippe Rousselot; Nightwatch (O Vigilante da Noite), de Ole Bornedal; ER (Serviço de Urgência) (TV); 1998: Velvet Goldmine (Velvet Goldmine), de Todd Haynes; Little Voice (Uma Estrela Caída do Céu), de Mark Herman; Welcome to Hollywood, de Adam Rifkin e Tony Markes; 1999: Rogue Trader (Jogador de Alto Risco), de James Dearden; Star Wars Episode I: The Phantom Menace (), de George Lucas; Desserts (curta-metragem); Eye of the Beholder (Um Olhar Obsessivo), de Stephan Elliott; 2000: Nora (Nora), de Pat Murphy; Anno Domini (curta-metragem); The Mystery of the Third Planet (TV); 2001: Moulin Rouge! (Moulin Rouge!), de Baz Luhrmann; Solid Geometry (TV); Down with Love (Abaixo o Amor), de  Peyton Reed; 2002: Black Hawk Down (Cercados), de Ridley Scott; Star Wars Episode II: Attack of the Clones (Star Wars: Episódio II - O Ataque dos Clones);  de George Lucas; The Polar Bears of Churchill (TV); 2003: Bye Bye Love, de Peyton Reed; Young Adam (Young Adam), de David Mackenzie; Big Fish (O Grande Peixe), de Tim Burton; Faster, de Mark Neale; Long Way Round (TV); 2005: Robots (Robôs), de Chris Wedge, Carlos Saldanha (voz); Valiant (Valiant - Os Bravos do Pombal), de Gary Chapman (voz); Star Wars Episode III: Revenge of the Sith (Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith), de George Lucas; The Island (A Ilha), de Michael Bay; Stay (Stay - Entre a Vida e a Morte), de Marc Forster; 2006: Alex Rider: Stormbreaker (Alex Rider - Operação Stormbreaker), de Geoffrey Sax; Scenes of a Sexual Nature (Cenas de Natureza Sexual), de Ed Blum; Miss Potter (O Mundo Encantado de Beatrix Potter), de Chris Noonan; 2007: Cassandra's Dream (O Sonho de Cassandra), de Woody Allen; Long Way Down (TV); 2008: Deception (No Limite da Ilusão), de Marcel Langenegger; Incendiary (Incendiário), de Sharon Maguire; 2009: Angels & Demons (Anjos e Demónios), de Ron Howard; The Men Who Stare at Goats (Homens Que Matam Cabras só com o Olhar), de  Grant Heslov; Jackboots on Whitehall de Edward McHenry, Rory McHenry; 2010: I Love You Phillip Morris (Eu Amo-te Phillip Morris), de Glenn Ficarra e John Requa; Amelia (Amelia), de Mira Nair; The Ghost Writer (O Escritor Fantasma), de Roman Polanski; Nanny McPhee and the Big Bang (Nanny McPhee e o Toque de Magia), de Susanna White; The Battle of Britain (TV); 2011: Beginners (Assim é o Amor), de Mike Mills; Perfect Sense (O Sentido do Amor), de David Mackenzie; 2011: Fastest de Mark Neal; 2012: Haywire (Uma Traição Fatal), de Steven Soderbergh; Salmon Fishing in the Yemen (A Pesca do Salmão no Iémen), de Lasse Hallström; The Impossible  ou Lo imposible (O Impossível), de Juan Antonio Bayona; The Corrections (TV);  2013: Jack the Giant Slayer (Jack, o Caçador de Gigantes), de Bryan Singer; Ewan McGregor: Cold Chain Mission (TV);Bomber Boys (TV); August: Osage County (Um Quente Agosto), de John Wells; 2014: A Million Ways to Die in the West (Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas), de Seth MacFarlane;  Son of a Gun, de Julius Avery; Hebrides: Islands on the Edge (TV) (voz); 2015: Jane Got a Gun de Gavin O'Connor; 2015: Mortdecai, de David Koepp; 2015: Our Kind of Traitor, de Susanna White (em produção); Last Days in the Desert, de Rodrigo García (em produção); Miles Ahead, de Don Cheadle (em produção); The Land of Sometimes, de Will Finn (TV); Porno, de Danny Boyle (em produção); Born to Be King, de Peter Capaldi (em produção); 2016: American Pastoral, de Phillip Noyce (em produção).

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