TRAINSPOTTING (1996)
Partindo
de um romance de Irvine Welsh que se transformou rapidamente num grande sucesso
editorial, adaptado ao teatro e posteriormente ao cinema, “Trainspotting”
assinala a segunda obra cinematográfica de uma equipa que se havia distinguido
pouco tempo antes com a sua estreia em “Shallow Grave”. Peter Boyle teria a
consagração com “Quem Quer Ser Bilionário?”, em 2008.
Em
“Pequenos Crimes Entre Amigos”, três companheiros de roubo disputavam uma mala
com dinheiro, esquema que é mais ou menos repetido pelo escritor Irvine Welsh,
o realizador Danny Boyle e o produtor Andrew MacDonald no seu trabalho
seguinte. Há igualmente uma mala cheia de droga, trocada depois por uma mala
repleta de notas, disputada por vários companheiros de destino. Eles formam um
grupo de heroinómanos de Edimburgo que está na base desta obra. Mas esta linha
de ficção é pouco importante ao longo do filme e serve sobretudo para
introduzir algumas anotações de humor negro. O essencial no filme é, todavia, o
tom quase documental com que se acompanha este grupo de drogados à roda dos
vinte anos, que se afunda no consumo de heroína que tenta depois abandonar,
para recair sem remorsos, traficando nos intervalos para conseguir dinheiro
para se auto-abastecer.
O tom é
quase sempre de um realismo sem concessões, desde as cenas de consumo da droga
até à sequência em que o protagonista ensaia uma cura de desintoxicação. Muitos
momentos, cenas de grupo na casa onde habitam, em pubs ou em discotecas, fazem
lembrar o free cinema dos anos 60 e toda a tradição realista do melhor cinema
inglês, que na actualidade é mantida por Ken Loach ou Mike Leigh. Mas a
narração em off, assegurada pelo actor Ewan McGregor, e algumas outras
sequências, relembram “A Laranja Mecânica”, de Kubrick, e o seu universo de uma
violência epidérmica. É, aliás, através desse recurso a um certo onirismo negro
que “Trainspotting” se afasta do puro realismo, em duas ou três sequências de
devaneio e pesadelo. Numa delas, Mark Renton, depois de ter perdido dois supositórios
de droga, mergulha literalmente na latrina do mais nojento WC, procurando
recuperar esses dois passaportes para os tais "paraísos artificiais"
de que fala a lenda. Noutra, um recém-nascido que entretanto morrera durante uma
festa mais animada do grupo, aparece gatinhando no tecto do quarto.
Falando
de "paraísos artificiais", este é talvez um dos primeiros filmes
onde, apesar de tudo, se tenta compreender porque recorre às drogas quem delas
depende. E fala-se mesmo numa possível felicidade que o seu consumo pode
trazer. Felicidade que se contrapõe ao pesado quotidiano, à mediocridade da
vida em família, à agressividade da competição profissional, à absoluta miséria
moral circundante. A opção pela droga é aqui quase reivindicada como um direito
e não é por acaso que nalgumas cenas surge o "Perfect Day", cantado
por Lou Reed, como banda sonora.
O
sucesso internacional que este filme conheceu, e a polémica por si
desencadeada, mostram bem que nem só de obras cor-de-rosa as plateias mundiais
têm necessidade. Mas o equívoco pode igualmente instalar-se, pois um filme como
“Trainspotting” pode igualmente ser consumido como um degrau mais na escalada
de violência e abjecção no cinema. De todas as maneiras, trata-se de um marco
na história do cinema inglês, inclusive por essa forma despreconceituada como é
tratado o consumo de drogas e a sua ligação a uma sociedade doente, onde os
indivíduos não se sentem integrados e optam por paraísos artificiais para
ultrapassar o mal-estar dominante. Um bom retrato de uma certa juventude.
TRAINSPOTTING
Título original: Trainspotting
Realização: Danny Boyle (Inglaterra,
1996); Argumento: John Hodge, segundo romance de Irvine Welsh; Produção: Andrew
Macdonald; Fotografia (cor): Brian
Tufano; Montagem: Masahiro Hirakubo; Casting: Andy Pryor, Gail Stevens; Design
de produção: Kave Quinn; Direcção artística: Tracey Gallacher;
Guarda-roupa: Rachael Fleming;
Maquilhagem: Graham Johnston, Robert McCann; Direcção de Produção: Lesley Stewart;
Assistentes de realização: David Gilchrist, Claire Hughes, Ben Johnson;
Departamento de arte: Gordon Fitzgerald, Colin H. Fraser, Stephen Wong; Som:
Tony Cook, Jonathan Miller, Colin Nicolson; Efeitos especiais: Perry Costello;
Efeitos visuais: Grant Mason, Tony Steers; Companhias de produção: Channel Four
Films, Figment Films, The Noel Gay Motion Picture Company; Intérpretes: Ewan McGregor (Renton), Ewen Bremne (Spud), Jonny Lee
Miller (rapaz doente), Kevin McKidd
(Tommy), Robert Carlyle (Begbie), Kelly Macdonald (Diane), Peter Mullan
(Swanney), James Cosmo (Mr. Renton), Eileen Nicholas (Mrs. Renton), Susan
Vidler (Allison), Pauline Lynch (Lizzy), Shirley Henderson (Gail), Stuart
McQuarrie, Irvine Welsh (Mikey Forrester), Dale Winton, Keith Allen, Kevin
Allen, Annie Louise Ross, Billy Riddoch, Fiona Bell, Vincent Friell, Hugh Ross,
Victor Eadie, Kate Donnelly, Finlay Welsh, Eddie Nestor, Tom Delmar, Rachael
Fleming, John Hodge, Andrew Macdonald, Archie MacPherson, etc. Duração: 94 minutos; Distribuição em
Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 18 anos; Data de estreia em
Portugal: 1 de Novembro de 1996.
DANNY BOYLE (1956 - )
Daniel
Boyle nasceu a 20 de Outubro de 1956, em Radcliffe, Manchester, Inglaterra.
Oriundo de uma família da classe operária irlandesa, católica. Esteve destinado
a seguir uma carreira eclesiástica, mas aos 14 anos foi um padre que o
dissuadiu a deixar o seminário. Hoje considera-se “um ateu espiritualista”.
Rapidamente assumiu a sua paixão pelo “drama”, passou a estudar no Thornleigh
Salesian College, em Bolton, depois na Bangor University, cursos de Inglês e
Drama. Casou-se então com a actriz Frances Barber. Continua a considerar que
entre o “Drama” (teatro, cinema) e a Igreja há muitos pontos de contacto e dá
como exemplo o facto de realizadores como Martin Scorsese, John Woo ou M. Night
Shyamalan, todos terem frequentado o seminário. Juntou-se à Joint Stock Theatre
Company e, em 1982, passou para a Royal
Court Theatre, onde encenou “The Genius”, de Howard Brenton e “Saved”, de
Edward Bond. Encenou depois, na Royal Shakespeare Company, cinco espectáculos,
e em 2010, dirigiu no Old Vic Theatre um espectáculo de uma noite, “The
Children's Monologues”, com Sir Ben Kingsley, Benedict Cumberbatch, Tom
Hiddleston, Gemma Arterton e Eddie Redmayne. Ainda no teatro, encenou em 2011
“Frankenstein”, para o National Theatre. Foi da responsabilidade de Boyle o
espectáculo de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Começou
a trabalhar em televisão em 1987, na BBC, onde desde aí desenvolve actividade
regular. No cinema estreia-se com “Shallow Grave” que, com “Trainspotting”, o
levam a ser considerado “Best Newcomer Award” em 1996, pelo London Film Critics Circle. Conta que o
filme que o levou a apaixonar-se pelo cinema foi “Apocalypse Now”.
“The
Beach”, “28 Days Later”, “Millions”, “Sunshine”, são os seus filmes seguintes,
mas o triunfo internacional concretiza-se com “Slumdog Millionaire” (2008), e
posteriormente com “127 Hours”. Prepara actualmente uma sequela de
“Trainspotting”, intitulada “Porno”. Em toda a história do cinema só oito
cineastas conseguiram o que Danny Boyle alcançou com “Quem Quer Ser
Bilionário?”: o Oscar, o Globo de Ouro, o BAFTA e o Director's Guild, todos
para o Melhor Realizador do Ano. Os outros sete são: Mike Nichols ( A Primeira
Noite, 1967), Milos Forman (Voando Sobre Um Ninho de Cucos, 1975), Richard
Attenborough (Gandhi, 1982), Oliver Stone (Platoon - Os Bravos do Pelotão,
1986), Steven Spielberg (A Lista de Schindler, 1993), Ang Lee (O Segredo de
Brokeback Mountain, 2005), e Alfonso Cuaron (Gravidade, 2013). Entre 1983 e
2003 manteve uma relação com a directora de arte Gail Stevens, de quem tem três
filhos.
Filmografia
Cinema / Como realizador /
longas metragens: 1994:
Shallow Grave (Pequenos Crimes Entre Amigos); 1996: Trainspotting
(Trainspotting); 1997: A Life less ordinary (Vidas Diferentes); 2000: The Beach
(A Praia); 2002: 28 Days Later (28 Dias Depois); 2004: Millions (Milhões);
2007: Sunshine (Missão Solar); 2008: Slumdog Millionaire (Quem Quer Ser
Bilionário?); 2010: 127 Hours (127 Horas); 2013: Trance (Transe); 2014: Porno
(anunciado).
Cinema / Como realizador /
curta-metragem: 2002:
Alien Love Triangle;
Televisão / Como realizador: 1987: The Venus de Milo Instead; Inspector Morse (2
episódios); 1987: Scout; 1989: The Hen House; 1989: 1989-1993; Screenplay (3
episódios); The Nightwatch; 1989: Monkeys; 1991: For the Greater Good (3
episódios); 1993: Mr. Wroe's Virgins (3
episódios); 2001: Strumpet; 2001: Vacuuming Completely Nude in Paradise; 2011:
National Theatre Live: Frankenstein;
2012: London 2012 Olympic Opening Ceremony: Isles of Wonder; 2014: Babylon.
EWAN MCGREGOR (1971 - )
Ewan
Gordon McGregor nasceu a 31 de Março de 1971, em Perth, Perthshire, Escócia,
Reino Unido, filho de um casal de professores, Carol Diane e James Charles
McGregor. Aos 16 anos deixou a Morrison Academy para ingressar no Perth
Repertory Theatre. Estudou arte de representar em Kirkcaldly, em Fife, cursando
depois a London's Guildhall School of Music and Drama, ao lado de Daniel Craig
e Alistair McGowan. Estreia-se na televisão na mini-série “Lipstick on Your Collar”, de Dennis Potter,
no Channel 4 (1993). O seu primeiro grande papel no cinema acontece em
“Pequenos Crimes Entre Amigos” (1994), de Danny Boyle, com quem trabalha regularmente.
“O Livro de Cabeceira” (1996) e “Trainspotting” (1996) confirmam-no como um dos
grandes actores do mais recente teatro e cinema ingleses. Célebre pelo seu
trabalho em “Star Wars”, criando a personagem de Obi-Wan Kenobi. Casado com a
designer Eve Mavrakis. Em 2013 foi nomeado Oficial da Ordem do Império
Britânico. Ao longo da sua carreira arrecadou dezenas de prémios e distinções
internacionais.
Filmografia
Como actor: 1993: Lipstick on Your
Collar (TV); The Scarlet and the Black
(TV); Family Style (TV); 1994: Being Human (Gente Como Nós), de Bill Forsyth;
Shallow Grave (Pequenos Crimes Entre Amigos), de Danny Boyle; Doggin' Around (O
Pianista), de Desmond Daves (TV); 1995: Blue Juice, de Carl Prechezer; Kavanagh
Q.C.(TV); 1996: Tales from the Crypt (Contos de Arrepiar)(TV); Karaoke (TV);
Emma (Emma), de Douglas McGrath; Trainspotting (Trainspotting), de Danny Boyle;
Brassed Off (Os Virtuosos ), de Mark
Herman; The Pillow Book (O Livro de Cabeceira), de Peter Greenaway; 1997: A
Life Less Ordinary (Vidas Diferentes);
The Serpent's Kiss (O Beijo da Serpente), de Philippe Rousselot; Nightwatch (O
Vigilante da Noite), de Ole Bornedal; ER (Serviço de Urgência) (TV); 1998:
Velvet Goldmine (Velvet Goldmine), de Todd Haynes; Little Voice (Uma Estrela Caída
do Céu), de Mark Herman; Welcome to Hollywood, de Adam Rifkin e Tony Markes;
1999: Rogue Trader (Jogador de Alto Risco), de James Dearden; Star Wars Episode
I: The Phantom Menace (), de George Lucas; Desserts (curta-metragem); Eye of
the Beholder (Um Olhar Obsessivo), de Stephan Elliott; 2000: Nora (Nora), de
Pat Murphy; Anno Domini (curta-metragem); The Mystery of the Third Planet (TV);
2001: Moulin Rouge! (Moulin Rouge!), de Baz Luhrmann; Solid Geometry (TV); Down
with Love (Abaixo o Amor), de Peyton
Reed; 2002: Black Hawk Down (Cercados), de Ridley Scott; Star Wars Episode II:
Attack of the Clones (Star Wars: Episódio II - O Ataque dos Clones); de George Lucas; The Polar Bears of Churchill
(TV); 2003: Bye Bye Love, de Peyton Reed; Young Adam (Young Adam), de David
Mackenzie; Big Fish (O Grande Peixe), de Tim Burton; Faster, de Mark Neale;
Long Way Round (TV); 2005: Robots (Robôs), de Chris Wedge, Carlos Saldanha
(voz); Valiant (Valiant - Os Bravos do Pombal), de Gary Chapman (voz); Star
Wars Episode III: Revenge of the Sith (Star Wars: Episódio III - A Vingança dos
Sith), de George Lucas; The Island (A Ilha), de Michael Bay; Stay (Stay - Entre
a Vida e a Morte), de Marc Forster; 2006: Alex Rider: Stormbreaker (Alex Rider
- Operação Stormbreaker), de Geoffrey Sax; Scenes of a Sexual Nature (Cenas de
Natureza Sexual), de Ed Blum; Miss Potter (O Mundo Encantado de Beatrix
Potter), de Chris Noonan; 2007: Cassandra's Dream (O Sonho de Cassandra), de
Woody Allen; Long Way Down (TV); 2008: Deception (No Limite da Ilusão), de
Marcel Langenegger; Incendiary (Incendiário), de Sharon Maguire; 2009: Angels
& Demons (Anjos e Demónios), de Ron Howard; The Men Who Stare at Goats
(Homens Que Matam Cabras só com o Olhar), de
Grant Heslov; Jackboots on Whitehall de Edward McHenry, Rory McHenry;
2010: I Love You Phillip Morris (Eu Amo-te Phillip Morris), de Glenn Ficarra e
John Requa; Amelia (Amelia), de Mira Nair; The Ghost Writer (O Escritor
Fantasma), de Roman Polanski; Nanny McPhee and the Big Bang (Nanny McPhee e o Toque
de Magia), de Susanna White; The Battle of Britain (TV); 2011: Beginners (Assim
é o Amor), de Mike Mills; Perfect Sense (O Sentido do Amor), de David
Mackenzie; 2011: Fastest de Mark Neal; 2012: Haywire (Uma Traição Fatal), de
Steven Soderbergh; Salmon Fishing in the Yemen (A Pesca do Salmão no Iémen), de
Lasse Hallström; The Impossible ou Lo
imposible (O Impossível), de Juan Antonio Bayona; The Corrections (TV); 2013: Jack the Giant Slayer (Jack, o Caçador
de Gigantes), de Bryan Singer; Ewan McGregor: Cold Chain Mission (TV);Bomber
Boys (TV); August: Osage County (Um Quente Agosto), de John Wells; 2014: A
Million Ways to Die in the West (Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas), de Seth
MacFarlane; Son of a Gun, de Julius
Avery; Hebrides: Islands on the Edge (TV) (voz); 2015: Jane Got a Gun de Gavin
O'Connor; 2015: Mortdecai, de David Koepp; 2015: Our Kind of Traitor, de
Susanna White (em produção); Last Days in the Desert, de Rodrigo García (em
produção); Miles Ahead, de Don Cheadle (em produção); The Land of Sometimes, de
Will Finn (TV); Porno, de Danny Boyle (em produção); Born to Be King, de Peter
Capaldi (em produção); 2016: American Pastoral, de Phillip Noyce (em produção).
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