segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SESSÃO 57: 2 DE DEZEMBRO DE 2014


O FIM DA AVENTURA (1999)

Graham Greene é um escritor afortunado com o cinema. A grande maioria das suas obras foram adaptadas ao grande ecrã, não se podendo dizer que sempre com grande qualidade, mas quase sempre com alguma dignidade. “England Made Me” (1935), “The Confidential Agent” (1939) “The Power and the Glory” (1940), “The Ministry of Fear” (1943), “The Third Man” (1949), “The End of the Affair” (1951), “The Quiet American” (1955), “Our Man in Havana” (1958), “The Comedians (1966), “Travels with My Aunt” (1969), “The Honorary Consul” (1973) ou “The Human Factor” (1978) conheceram versões interessantes, nalguns casos deram lugar mesmo a muito bons filmes. 
“The End of the Affair” teve mesmo duas versões oficiais. Uma de 1955, dirigida por Edward Dmytryk, com uma excelente Deborah Kerr, ao lado de Van Johnson, John Mills e Peter Cushing nos principais papeis, uma leitura suavizada pela época e pela censura do código Hays. A outra, mais recente, com um elenco de luxo, com Julianne Moore, de novo numa criação notável, e ainda Ralph Fiennes, Stephen Rea, James Bolam e Ian Hart, com argumento e realização de Neil Jordan. São duas versões interessantes, mas resolutamente mais conseguida a de Neil Jordan, quer pela sensibilidade da realização, pela qualidade do trabalho interpretativos, quer sobretudo pelo clima criado em redor desta história que parece ter muito de autobiográfica. Na verdade, todo o filme se desenrola numa atmosfera brumosa, chuvosa, pressagiando drama ou tragédia desde inicio. Depois a intriga é daquelas caras a Graham Greene, uma teia de emoções urdida no interior de um triângulo amoroso que tem a II Guerra Mundial como pano de fundo. 
Tudo se passa em Londres, mas a narrativa oscila constantemente entre dois tempos, o agora, no final da guerra, e dois anos antes, quando a parte mais substancial da história aconteceu. Maurice Bendrix (Ralph Fiennes), escritor, encontra Sarah (Julianne Moore), casada com Henry Miles (Stephen Rea), e apaixonam-se. O romance explode, tal como as bombas que caiem sobre a capital inglesa. Durante um bombardeamento, Sarah julga que Maurice foi ferido mortalmente, e promete a Deus o impossível caso o seu apaixonado não tivesse morrido. O milagre parece acontecer e a partir daí toda a história se precipita num turbilhão de equívocos e desencontros. O ciúme arrasta as personagens para comportamentos cada vez mais bizarros, e cada uma delas depara-se com opções amargas. O entrecho imaginado por  Graham Greene (que nos dizem ter sido parcialmente vivido pelo escritor, durante um “affair” Lady Catherine Walston, uma mulher casada que parece ter servido de modelo à Sarah do romance. De resto a primeira edição da obra literária surge dedicada a “C”, nas posteriores a dedicatória torna-se mais explicita, a “Catherine” e, afirma quem estudou a biografia do escritor, que este viu a sua casa, situado no nº 14 de Clapham Common Northside, ser bombardeada durante o Blitz, e ele próprio ter ficado ferido. Muitas coincidências para não ser verdade, sobretudo pelo que de irreal a história pode conter, demasiado fantasista para não ser autêntica, ainda que aqui e ali romanceada pela veia literária de Greene.
Quando o romance foi escrito, 1951, Graham Greene era um escritor crente, profundamente católico. Os estudiosos da sua obra afirmam que “The End of the Affair” é a sua última criação abertamente católica. Mas a obra é sobretudo uma envolvente história de amor, apaixonada e febril, com personagens extremamente complexos cujas razões últimas apenas de suspeitam.
A figura de Henry Miles, por exemplo, atormentado pela impotência (física ou psicológica?) é excelentemente desenhada por Stephen Rea ( o mesmo que nos dera o deslumbrante trabalho em ”Jogo de Lágrimas”, do mesmo Neil Jordan). O próprio detective privado, que se faz acompanhar pelo filho durante as investigações, é uma criação magnifica, tanto no romance como no filme.
Uma fotografia de um incrível colorido e de perfeita adequação ao clima desejado e a partitura musical de Michael Nyman ajudam em muito à realização de Neil Jordan que talvez fosse beneficiada com um maior rigor na contensão plástica. Mas estamos abertamente no domínio do melodrama e dos seus excessos assumidos. 
Curiosidades adicionais: em 2004, Jake Heggie compôs uma ópera baseada neste romance, que teve a sua estreia na Houston Grand Opera nos EUA. Em 2011, foi a vez de Karla Boos escrever uma peça de teatro estreada igualmente nos EUA, em Pittsburgh, no Quantum Theatre, sobre o tema de “The End of the Affair”.

O FIM DA AVENTURA
Título original: The End of the Affair
Realização: Neil Jordan (Inglaterra, 1999); Argumento: Neil Jordan, segundo romance de Graham Greene; Produção: Neil Jordan, Kathy Sykes, Stephen Woolley; Música: Michael Nyman; Fotografia (cor): Roger Pratt; Montagem: Tony Lawson; Casting: Susie Figgis; Design de produção: Anthony Pratt; Direcção artística: Jon Billington, Chris Seagers, Tony Woollard; Decoração: John Bush; Joanne Woollard; Guarda-roupa: Sandy Powell; Maquilhagem: Christine Beveridge; Direcção de Produção: Phil Hounam, Michael Saxton; Assistentes de realização: Patrick Clayton, Sean Clayton, Marios Hamboulides, Michael Stevenson, Ian Stone, Anthony Wilcox; Departamento de arte: John Bohan, Danny Rogers, Derek Whorlow; Som: John Lewis Aschenbrenner, Mark Auguste, David Stephenson; Efeitos especiais: Yves De Bono, Trevor Neighbour; Efeitos visuais: Martin Body, Libby Hazell, Mark Nelmes; Companhia de produção: Columbia Pictures Corporation; Intérpretes: Ralph Fiennes (Maurice Bendrix), Stephen Rea (Henry Miles), Julianne Moore (Sarah Miles), Heather-Jay Jones (empregada de Henry), James Bolam (Mr. Savage), Ian Hart (Mr. Parkis), Sam Bould (Lance Parkis), Cyril Shaps, Penny Morrell, Simon Fisher-Turner, Jason Isaacs, Deborah Findlay, Nicholas Hewetson, Jack McKenzie, Nic Main, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 18 de Fevereiro de 2000.

NEIL JORDAN (1950 - )
Neil Jordan nasceu em Sligo, Irlanda, Reino Unido, a 25 de Fevereiro de 1950.  Filho de uma bem instalada família da classe média irlandesa, o  pai era professor universitário, a mãe pintora. Para lá de realizador, argumentista, actor e sobretudo realizador, é ainda autor de vários romances de certo sucesso publico e critico, com histórias sobre a Irlanda. Estudou na St. Paul's School em Clontarf, Dublin. A sua estreia no cinema dá-se como conselheiro artístico de John Boorman em “Excalibur”. A experiência leva-o a realizar um documentário que seduz o British Film Institute, que lhe vai permitir financiar a sua primeira longa-metragem, “Angel”, adaptada de um dos seus romances. Em 1984 Jordan ganha prestígio e sucesso com “The Company of Wolves”, uma fábula sobre a adolescência e a mitologia da sexualidade. Seguem-se vários outros grandes sucessos: “Mona Lisa” (1986), “Jogo de Lágrimas” (1992), “Michael Collins” (1996) ou “O Fim da Aventura” (1999), Casado com Vivienne Shields (dois filhos, divorciado) e depois com Brenda Rawn (desde 2004, dois filhos). E conhecida uma relação breve com Mary Donohoe, de quem tem também um filho.
Várias nomeações para o Oscars. Ganhou em 1992 com o argumento de “The Crying Game”.
BAFTA para Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor argumento para “The Crying Game”, o mesmo acontecendo em 1999, com “The End of the Affair”. Muitos outros prémiosnuma carreira altamente prestigiada.

Filmografia:
Como realizador: 1982: Angel (O Anjo da Vingança); 1984: The Company of Wolves (A Companhia dos Lobos); 1986: Mona Lisa (Mona Lisa); 1988: High Spirits (Malucos e Libertinos); 1989: We're No Angels (Ninguém É Santo); 1990: Red Hot and Blue (TV) (episódios "Miss Otis Regrets" e "Just One of Those Things"); 1991: The Miracle (Amar Uma Desconhecida); 1992: The Crying Game (Jogo de Lágrimas); 1994: Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles (Entrevista Com o Vampiro); 1996: Michael Collins (Michael Collins); 1997: The Butcher Boy (O Rapaz do Talho); 1999: In Dreams; 1999: The End of the Affair (O Fim da Aventura); 2000: Not I (curta-metragem); 2002: The Good Thief (O Bom Ladrão); 2005: Breakfast on Pluto (Breakfast on Pluto); 2007: The Brave One (A Estranha em Mim); 2009: Ondine; 2011-2013: The Borgias (Os Bórgias).

RALPH FIENNES (1962 - )
Ralph Nathaniel Twisleton-Wykeham-Fiennes nasceu a 22 de Dezembro de 1962, em Suffolk, Inglaterra, filho de Jennifer Anne Mary Alleyne, uma romancista, e de Mark Fiennes, fotógrafo. Cresceu no seio de uma família aristocrática inglesa. Tem seis irmãos, quatro dos quais dedicados à arte: Martha Fiennes, realizadora; Magnus Fiennes, músico; Sophie, realizadora e produtora; Joseph Fiennes, actor. Os dos restantes, um é arqueólogo, Michael Emery, o outro biólogo e conservacionista, Jacob Fiennes. Ralph é ainda primo em 8º grau de Carlos, príncipe de Gales, e primo em 3º grau do aventureiro Ranulph Fiennes. Actor e realizador, Ralph Fiennes interpretou um conjunto importantes de obras, onde deixou bem vincado o seu talento: “Schindler's List”, “The English Patient”, “The End of the Affair”, “Red Dragon”, cinco “Harry Potters”, “The Constant Gardener”, “The Reader” ou “Skyfall”. Recebeu diversas recompensas: nomeado para Oscar em “Schindler's List” e “The English Patient”, indicado para o Globo de Ouro de Melhor Actor em “Schindler's List”, “The English Patient”, “The Duchess” ou “Bernard and Doris”, ganhou o BAFTA em “Schindler's List” e foi ainda nomeado em “The English Patient”, “The End of the Affair” e “The Constant Gardener”. A sua estreia como argumentista, realizador e produtor, com “Coriolano” mereceu-lhe ainda um BAFTA especial como melhor estreia nesta tripla função. Casado com a actriz Alex Kingston (1993 – 1997), a que se seguiu um relacionamento com a actriz Francesca Annis (1995-2006).

Filmografia
Como actor: 1990: Great Performances: A Dangerous Man: Lawrence After Arabia, de Christopher Menaul (TV); 1991: Prime Suspect, de Christopher Menaul (TV); 1992: Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais), de Peter Kosminsky; 1993: Screen Two: The Cormorant, de Peter Markham (TV); The Baby of Mâcon (O Bebé de Macon), de Peter Greenaway; Schindler's List (A Lista de Schindler), de Steven Spielberg; 1994: Quiz Show (Quiz Show), de Robert Redford; 1995: Strange Days (Estranhos Prazeres), de Kathryn Bigelow; 1996: The English Patient (O Paciente Inglês), de Anthony Minghella; The Great War and the Shaping of the 20th Century (TV); 1997: Oscar and Lucinda (Oscar e Lucinda), de Gillian Armstrong; 1998: The Avengers (Os Vingadores), de Jeremiah S. Chechik; The Prince of Egypt (O Príncipe do Egipto), de Brenda Chapman, Steve Hickner e Simon Wells (voz); 1999: Sunshine (Sunshine), de István Szabó; Onegin (Onegin), de Martha Fiennes; The End of the Affair (O Fim da Aventura), de Neil Jordan; 2000: How Proust Can Change Your Life, de Peter Bevan (TV); 2000: The Miracle Maker, de Derek W. Hayes e Stanislav Sokolov (TV) (voz); How Proust Can Change Your Life (TV); 2002: Spider (Spider), de David Cronenberg; 2002: The Good Thief (O Bom Ladrão), de Neil Jordan; 2002: Red Dragon (Dragão Vermelho), de Brett Ratner; 2002: Maid in Manhattan (Encontro em Manhattan), de Wayne Wang; 2003: Freedom: A History Of Us, de Philip Kunhardt Jr. (TV); 2004: The Chumscrubber (Os Amigos de Dean), de Arie Posin; Ten Days to D-Day (TV); 2005: Chromophobia (Cromofobia), de Martha Fiennes; 2005: The Constant Gardener (O Fiel Jardineiro), de Fernando Meirelles; The Curse of the Were-Rabbit (Wallace & Gromit: A Maldição do Coelhomem), de Steve Box e Nick Park (voz); Harry Potter and the Goblet of Fire (Harry Potter e o Cálice de Fogo), de Mike Newell; Land of the Blind), de Robert Edwards; 2006: The White Countess (A Condessa Russa), de James Ivory; Land of the Blind (Terra de Cegos), de Robert Edwards; 2007: Bernard and Doris, de Bob Balaban (TV); Harry Potter and the Order of the Phoenix (Harry Potter e a Ordem da Fénix), de David Yates; 2008: In Bruges (Em Bruges), de Martin McDonagh; The Duchess (A Duquesa), de Saul Dibb; The Reader (O Leitor), de Stephen Daldry; The Hurt Locker (Estado de Guerra), de Kathryn Bigelow; 2010: Nanny McPhee and the Big Bang (Nanny McPhee e o Toque de Magia), de Susanna White; Clash of the Titans), de Louis Leterrier; Cemetery Junction, de Ricky Gervais e Stephen Merchant; Harry Potter and the Deathly Hallows (Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1) de David Yates; Harry Potter and the Forbidden Journey, de Thierry Coup (curta-metragem); 2011: Harry Potter and the Deathly Hallows (Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2), de David Yates; Page Eight, de David Hare (TV); 2011-2014: Rev. (TV); 2012: Coriolanus (Coriolano) de Ralph Fiennes; Wrath of the Titans (Fúria de Titãs), de Jonathan Liebesman; (Grandes Esperanças), de Mike Newell; Skyfall (Skyfall), de Sam Mendes; 2013: The Invisible Woman, de Ralph Fiennes; National Theatre Live (TV); 2014: The Grand Budapest Hotel (Grand Budapest Hotel), de Wes Anderson; Mesyats v derevne (em rodagem); Salting the Battlefield, de David Hare (TV); Turks & Caicos, de David Hare (TV); 2015: James Bond 24, de Sam Mendes (em rodagem); A Bigger Splash de Luca Guadagnino (em rodagem); Hail, Caesar! (em rodagem); 2016 Flying Horse (em preparação);

Como realizador: 2012: Coriolanus (Coriolano); 2014: The Invisible Woman.

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