UM MARIDO IDEAL (1999)
Há
filmes em que se lamenta verdadeiramente não terem tido o realizador à altura
do empreendimento. “Um Marido Ideal”, de Oliver Parker, é apenas mais um
exemplo. Oliver Parker, que já nos dera uma adaptação de William Shakespeare particularmente
falhada, “Othello”, oferece-nos agora um trabalho uns pontos acima, mas ainda
assim algo desinteressante em termos cinematográficos. A realização é baça, sem
alma, ilustrativa quase sempre, nada inspirada em termos criativos. Oliver
Parker limita-se a reproduzir a peça de Oscar Wilde, por vezes deixando a
descoberto os cordelinhos da sua raiz teatral, outras vezes tentando, sem
grande consistência, dar-lhe uma respiração cinematográfica, que quase nunca
ultrapassa o esquematismo.
“Um
Marido Ideal” é, no entanto, um filme cuja visão se recomenda. Vamos tentar
explicar porquê. Primeiramente, por que se trata de uma oportunidade única de
se assistir à belíssima peça de Oscar Wilder. Escrita há cerca de cem anos
(mais precisamente em 1895), imediatamente antes da sua obra-prima “A
Importância de ser Ernesto” (igualmente de 1895), e depois de obras como “O
Leque de Lady Windermere” (1892) ou “Uma Mulher sem Importância” (1893), “Um
Marido Ideal” é um bom exemplo do teatro de um mestre da dramaturgia inglesa do
século XIX: violento crítico social do seu tempo, dos bons e dos maus costumes
da época, Oscar Wilde escolhia uma ironia mordaz e um diálogo cortante para
exorcizar os fantasmas e ridicularizar a hipocrisia e o cinismo dos seus
conterrâneos. Homossexual e dandy, pagando por isso dois anos de cadeia e
trabalhos forçados que antecederam de pouco a sua morte, Wilde foi, e é, bem um
símbolo de um tempo e, simultaneamente, de uma reacção a esse mesmo tempo.
Continua matéria de culto para as gerações de hoje (“Velvet Goldmine” cita-o no
inicio e Todd Haynes coloca-se sob a sua égide) e este “Um Marido Ideal”
demonstra bem a singular actualidade do seu olhar e da mordacidade do seu
pensamento. De certa forma, o filme de Oliver Parker conserva tudo isso, e
torna-se assim obra a ter em conta, mais pela base literária donde parte, que
pela genuína transposição cinematográfica.
A
história é simples e articula-se através de equívocos de situação e de qui pro
quos de diálogos, muito ao jeito do que era prática corrente na altura. Mas
Oscar Wilde era autor de genialidade certa e de frase segura na sua fina e ágil
palavra. As antologias de máximas estão repletas de citações de Oscar Wilde,
muitas delas retiradas seguramente de “An Ideal Husband”. Há uma frase sua que
resume bem a sua posição: “Não diga que concorda comigo. Quando os outros estão
de acordo comigo, tenho sempre a sensação de que devo estar errado.”
Sir
Robert Chiltern (Jeremy Northam) tem tudo da vida: fortuna, prestigio, crédito
político, uma áurea de cidadão impoluto, e uma bela mulher (Cate Blanchett).
Mas, um dia, uma cortesã recém chegada da Áustria, Mrs. Cheveley (Julianne
Moore), ameaça-o com a revelação de um sórdido segredo, caso ele não a favoreça
numa situação que envolve claro suborno. É Arthur Goring (Rupert Everett), um
dandy elegante e distanciado da vida, quem irá ajudar a resolver o imbróglio,
antes de aceitar a mão da entusiástica irmã de Robert (Minnie Driver). Como se
vê, a comédia envolve situações de risco que Oscar Wilde resolve com uma
ardilosa arquitectura cénica, sendo que no filme a já tradicional qualidade de
representação britânica impera em toda a linha – todos os actores são
excelentes, conseguindo por si sós ultrapassar a vulgaridade da realização, e
valorizar sabiamente o diálogo e as situações.
Por
tudo isso apetece dizer que, não sendo um grande filme, “Um Marido Ideal” é
obra de visão obrigatória, pela qualidade do texto teatral de Wilde, pela
saborosa representação de um grupo de actores e pelo trabalho de técnicos
admiráveis. Oscar Wilde merece bem uma revisão crítica actual, até porque os
seus textos permanecem de uma gritante modernidade. E como dizia o próprio
dramaturgo e escritor, “se alguém diz a verdade pode estar certo de que é
descoberto mais tarde ou mais cedo.” Façam por isso o favor de conhecer ou
reconhecer a genialidade do mestre.
UM MARIDO IDEAL
Título original: An Ideal
Husband (1999)
Realização: Oliver Parker (Inlgaterra,
1999); Argumento: Oliver Parker, segundo peça deteatro de Oscar Wilde; Produção:
Nicky Kentish Barnes, Andrea Calderwood, Bruce Davey, Uri Fruchtmann, Ralph
Kamp, Susan B. Landau, Barnaby Thompson, Paul L. Tucker; Música: Charlie Mole;
Fotografia (cor): David Johnson; Montagem: Guy Bensley; Casting: Celestia Fox;
Design de Produção: Michael Howells; Guarda Roupa: Caroline Harris; Makeup:
Peter King, Assistente de realização: Richard Hewitt; Som: Peter Lindsay;
Produção: Nicky Kentish Barnes, Andrea Calderwood, Bruce Davey, Uri Fruchtmann,
Ralph Kamp, Susan B. Landau, Barnaby Thompson, Paul L. Tucker; Intérpretes: Rupert Everett (Lord
Arthur Goring), Julianne Moore (Mrs. Laura Cheveley), Jeremy Northam (Sir
Robert Chiltern), Cate Blanchett (Lady Gertrud Chiltern), Minnie Driver (Mabel
Chiltern), John Wood (Earl of Caversham), Lindsay Duncan (Lady Markby), Peter
Vaughan (Phipps), Jeroen Krabbé (Barão Arnheim), Benjamin Pullen (Tommy),
Michael Culkin (Oscar Wilde), Marsha Fitzalan (Condessa), Nickolas Grace (o
Conde), etc. Duração: 135 min;
Distribuição em Portugal: Filmes Lusomundo; Pathé (DVD) Inglês; Classificação:
M/12 anos.
OLIVER PARKER (1960 - )
Oliver
Parker nasceu a 6 de Setembro de 1960, em Londres, Inglaterra. Filho de Lady
Gillian, uma escritora, e de Sir Peter Parker, director executivo dos
caminhos-de-ferro ingleses. Na família tem vários actores, o irmão Nathaniel
Parker, a cunhada, Anna Patrick, e o próprio pai apareceu como actor em “O
Marido Ideal”. Os seus filmes mais
conhecidos são “Um Marido Ideal” (1999), “O Regresso de Johnny English” (2011)
e “Giras e Passadas” (2007).
Filmografia
Como realizador: 1995: Othello (Othelo); 1999: An Ideal
Husband (Um Marido Ideal); 2002: The Importance of Being Earnest (A Importância
de Ser Ernesto); 2003: The Private Life of Samuel Pepys; 2006: Fade to Black
(Um Nome Na Lista); 2007: I Really Hate My Job; 2007: St Trinian's (Giras e
Passadas); 2009: Dorian Gray (); 2009: St. Trinian's 2: The Legend of Fritton's
Gold (Giras e Passadas 2 - A Lenda do Tesouro de Fritton); 2011: Johnny English
Reborn (O Regresso de Johnny English); 2015: Dad's Army (em pré-produção).
Como
actor surgiu, entre alguns mais, em filmes como Hellraiser (Fogo Maldito), de
Clive Barker (1987), Hellbound:
Hellraiser II (Fogo Maldito, II), de Clive Barker (1988) ou Nightbreed (Raça das Trevas), de
Clive Barker (1990).
OSCAR WILDE (1854-1900)
Oscar
Fingal O'Flahertie Wills Wilde nasceu a 16 de Outubro de 1854, em Dublin,
Irlanda, Reino Unido, e faleceu a 30 de Novembro de 1900, com 46 anos, em
Paris, França. Filho de William Wilde e de
Jane Wilde, protestantes, depois convertidos ao catolicismo. Estudou na Portora
Royal School de Enniskillen e no Trinity College de Dublin, onde sobressaiu
como latinista e helenista. Ganhou uma bolsa de estudos para o Magdalen College
de Oxford, donde sai em 1878. Pouco depois ganhará o prémio
"Newdigate" com o poema "Ravenna". Instalou-se em Londres,
onde teve uma vida social agitada, sendo logo caracterizado pelas atitudes
extravagantes. É convidado para visitar os Estados Unidos a fim de dar uma
série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado, o esteticismo,
ou dandismo, que tinha o belo como antídoto para os horrores da sociedade
industrial. Ele próprio era o modelo do dandy. Em 1883, encontra-se em Paris e
entra em contacto com o mundo literário local, o que o leva a abandonar o seu
movimento estético. Volta para a Inglaterra e casa-se com Constance Lloyd,
filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em Chelsea, um bairro londrino
de artistas. Com Constance, teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886.
Em 1892, inicia o ciclo de obras teatrais, hoje clássicos da dramaturgia
britânica: “O Leque de Lady Windermere” (1892), “Uma Mulher sem Importância”
(1893), “Um Marido Ideal” ou “A Importância de ser Ernesto” (ambas de 1895).O
seu único romance é “O Retrato de Dorian Gray”. Em Maio de 1895, após três
julgamentos, foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados, por
"cometer actos imorais com diversos rapazes". Wilde escreveu uma
denúncia contra um jovem chamado Bosie, publicada no livro “De Profundis”,
acusando-o de tê-lo arruinado. Bosie era o apelido de Lorde Alfred Douglas, um
dos homens de que se suspeitava que Wilde fosse amante. Foi o pai de Bosie, o
Marquês de Queensberry, que levou Oscar Wilde a tribunal. Foi durante o período
da prisão que Wilde redigiu uma longa carta a Douglas, que a chamou de “De
Profundis”. No cárcere, em situações tremendas, tanto a saúde como a reputação
foram aniquiladas. Aí escreveu, entre outros, “A Alma do Homem sob o
Socialismo” e a célebre “Balada do Cárcere de Reading”. Libertado em 19 de Maio
de 1897, raros foram os amigos a esperá-lo. Manteve fiel a ele Robert Ross.
Instalado num andar humilde, em Paris, passou a usar o pseudónimo de Sebastian
Melmoth. Morreu vítima de um violento ataque de meningite (agravado pelo álcool
e pela sífilis), a 30 de Novembro de 1900. Wilde foi enterrado no Cemitério de
Bagneux, fora de Paris, mas mais tarde foi transladado para o Cemitério de Père
Lachaise em Paris.
Obras: 1878: Ravenna; 1881: Poems;
1888: The Happy Prince and Other Tales; 1889: The Decay of Lying; 1890: The
Picture of Dorian Gray; 1891: Lord Arthur Savile’s Crime and Other Stories; The
Soul of Man under Socialism; 1891: Intentions; Salome; 1892: The House of
Pomegranates; Lady Windermere’s Fan; 1893: A Woman of No Importance; The
Duchess of Padua; 1894: The Sphinx; 1895: An Ideal Husband; 1895: The
Importance of Being Earnest; 1897: De Profundis; 1898 The Ballad of Reading
Gaol.
Existem centenas de filmes
baseados em obras de Oscar Wilde. Ficam aqui alguns dos mais conhecidos: The Picture of Dorian Gray (O
Retrato de Dorian Gray), de Albert Lewin (1945); The Importance of Being
Earnest (A Importância de se Chamar Ernesto), de Anthony Asquith (1952); An
Ideal Husband (Um Marido Ideal), de Oliver Parker (1999); The Importance of
Being Earnest (A Importância de Ser Ernesto), de Oliver Parker (2002); A Good
Woman (Uma Boa Mulher), de Mike Barker (2004); Dorian Gray (Dorian Gray), de
Oliver Parker (2009).
Conhece-se
ainda um interessante filme baseado na sua vida: Wilde (Wilde), de Brian
Gilbert (1997).
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