segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SESSÃO 58: 9 DE DEZEMBRO DE 2014


UM MARIDO IDEAL (1999)

Há filmes em que se lamenta verdadeiramente não terem tido o realizador à altura do empreendimento. “Um Marido Ideal”, de Oliver Parker, é apenas mais um exemplo. Oliver Parker, que já nos dera uma adaptação de William Shakespeare particularmente falhada, “Othello”, oferece-nos agora um trabalho uns pontos acima, mas ainda assim algo desinteressante em termos cinematográficos. A realização é baça, sem alma, ilustrativa quase sempre, nada inspirada em termos criativos. Oliver Parker limita-se a reproduzir a peça de Oscar Wilde, por vezes deixando a descoberto os cordelinhos da sua raiz teatral, outras vezes tentando, sem grande consistência, dar-lhe uma respiração cinematográfica, que quase nunca ultrapassa o esquematismo.
“Um Marido Ideal” é, no entanto, um filme cuja visão se recomenda. Vamos tentar explicar porquê. Primeiramente, por que se trata de uma oportunidade única de se assistir à belíssima peça de Oscar Wilder. Escrita há cerca de cem anos (mais precisamente em 1895), imediatamente antes da sua obra-prima “A Importância de ser Ernesto” (igualmente de 1895), e depois de obras como “O Leque de Lady Windermere” (1892) ou “Uma Mulher sem Importância” (1893), “Um Marido Ideal” é um bom exemplo do teatro de um mestre da dramaturgia inglesa do século XIX: violento crítico social do seu tempo, dos bons e dos maus costumes da época, Oscar Wilde escolhia uma ironia mordaz e um diálogo cortante para exorcizar os fantasmas e ridicularizar a hipocrisia e o cinismo dos seus conterrâneos. Homossexual e dandy, pagando por isso dois anos de cadeia e trabalhos forçados que antecederam de pouco a sua morte, Wilde foi, e é, bem um símbolo de um tempo e, simultaneamente, de uma reacção a esse mesmo tempo. Continua matéria de culto para as gerações de hoje (“Velvet Goldmine” cita-o no inicio e Todd Haynes coloca-se sob a sua égide) e este “Um Marido Ideal” demonstra bem a singular actualidade do seu olhar e da mordacidade do seu pensamento. De certa forma, o filme de Oliver Parker conserva tudo isso, e torna-se assim obra a ter em conta, mais pela base literária donde parte, que pela genuína transposição cinematográfica.
A história é simples e articula-se através de equívocos de situação e de qui pro quos de diálogos, muito ao jeito do que era prática corrente na altura. Mas Oscar Wilde era autor de genialidade certa e de frase segura na sua fina e ágil palavra. As antologias de máximas estão repletas de citações de Oscar Wilde, muitas delas retiradas seguramente de “An Ideal Husband”. Há uma frase sua que resume bem a sua posição: “Não diga que concorda comigo. Quando os outros estão de acordo comigo, tenho sempre a sensação de que devo estar errado.”


Sir Robert Chiltern (Jeremy Northam) tem tudo da vida: fortuna, prestigio, crédito político, uma áurea de cidadão impoluto, e uma bela mulher (Cate Blanchett). Mas, um dia, uma cortesã recém chegada da Áustria, Mrs. Cheveley (Julianne Moore), ameaça-o com a revelação de um sórdido segredo, caso ele não a favoreça numa situação que envolve claro suborno. É Arthur Goring (Rupert Everett), um dandy elegante e distanciado da vida, quem irá ajudar a resolver o imbróglio, antes de aceitar a mão da entusiástica irmã de Robert (Minnie Driver). Como se vê, a comédia envolve situações de risco que Oscar Wilde resolve com uma ardilosa arquitectura cénica, sendo que no filme a já tradicional qualidade de representação britânica impera em toda a linha – todos os actores são excelentes, conseguindo por si sós ultrapassar a vulgaridade da realização, e valorizar sabiamente o diálogo e as situações.
Por tudo isso apetece dizer que, não sendo um grande filme, “Um Marido Ideal” é obra de visão obrigatória, pela qualidade do texto teatral de Wilde, pela saborosa representação de um grupo de actores e pelo trabalho de técnicos admiráveis. Oscar Wilde merece bem uma revisão crítica actual, até porque os seus textos permanecem de uma gritante modernidade. E como dizia o próprio dramaturgo e escritor, “se alguém diz a verdade pode estar certo de que é descoberto mais tarde ou mais cedo.” Façam por isso o favor de conhecer ou reconhecer a genialidade do mestre.

UM MARIDO IDEAL 
Título original: An Ideal Husband (1999) 
Realização: Oliver Parker (Inlgaterra, 1999); Argumento: Oliver Parker, segundo peça deteatro de Oscar Wilde; Produção: Nicky Kentish Barnes, Andrea Calderwood, Bruce Davey, Uri Fruchtmann, Ralph Kamp, Susan B. Landau, Barnaby Thompson, Paul L. Tucker; Música: Charlie Mole; Fotografia (cor): David Johnson; Montagem: Guy Bensley; Casting: Celestia Fox; Design de Produção: Michael Howells; Guarda Roupa: Caroline Harris; Makeup: Peter King, Assistente de realização: Richard Hewitt; Som: Peter Lindsay; Produção: Nicky Kentish Barnes, Andrea Calderwood, Bruce Davey, Uri Fruchtmann, Ralph Kamp, Susan B. Landau, Barnaby Thompson, Paul L. Tucker; Intérpretes: Rupert Everett (Lord Arthur Goring), Julianne Moore (Mrs. Laura Cheveley), Jeremy Northam (Sir Robert Chiltern), Cate Blanchett (Lady Gertrud Chiltern), Minnie Driver (Mabel Chiltern), John Wood (Earl of Caversham), Lindsay Duncan (Lady Markby), Peter Vaughan (Phipps), Jeroen Krabbé (Barão Arnheim), Benjamin Pullen (Tommy), Michael Culkin (Oscar Wilde), Marsha Fitzalan (Condessa), Nickolas Grace (o Conde), etc. Duração: 135 min; Distribuição em Portugal: Filmes Lusomundo; Pathé (DVD) Inglês; Classificação: M/12 anos.

OLIVER PARKER (1960 - )
Oliver Parker nasceu a 6 de Setembro de 1960, em Londres, Inglaterra. Filho de Lady Gillian, uma escritora, e de Sir Peter Parker, director executivo dos caminhos-de-ferro ingleses. Na família tem vários actores, o irmão Nathaniel Parker, a cunhada, Anna Patrick, e o próprio pai apareceu como actor em “O Marido Ideal”.  Os seus filmes mais conhecidos são “Um Marido Ideal” (1999), “O Regresso de Johnny English” (2011) e “Giras e Passadas” (2007).

Filmografia
Como realizador:  1995: Othello (Othelo); 1999: An Ideal Husband (Um Marido Ideal); 2002: The Importance of Being Earnest (A Importância de Ser Ernesto); 2003: The Private Life of Samuel Pepys; 2006: Fade to Black (Um Nome Na Lista); 2007: I Really Hate My Job; 2007: St Trinian's (Giras e Passadas); 2009: Dorian Gray (); 2009: St. Trinian's 2: The Legend of Fritton's Gold (Giras e Passadas 2 - A Lenda do Tesouro de Fritton); 2011: Johnny English Reborn (O Regresso de Johnny English); 2015: Dad's Army (em pré-produção).
Como actor surgiu, entre alguns mais, em filmes como Hellraiser (Fogo Maldito), de Clive Barker  (1987), Hellbound: Hellraiser II (Fogo Maldito, II), de Clive Barker  (1988) ou Nightbreed (Raça das Trevas), de Clive Barker  (1990).

OSCAR WILDE (1854-1900)
Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde nasceu a 16 de Outubro de 1854, em Dublin, Irlanda, Reino Unido, e faleceu a 30 de Novembro de 1900, com 46 anos, em Paris, França. Filho de William Wilde e de Jane Wilde, protestantes, depois convertidos ao catolicismo. Estudou na Portora Royal School de Enniskillen e no Trinity College de Dublin, onde sobressaiu como latinista e helenista. Ganhou uma bolsa de estudos para o Magdalen College de Oxford, donde sai em 1878. Pouco depois ganhará o prémio "Newdigate" com o poema "Ravenna". Instalou-se em Londres, onde teve uma vida social agitada, sendo logo caracterizado pelas atitudes extravagantes. É convidado para visitar os Estados Unidos a fim de dar uma série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado, o esteticismo, ou dandismo, que tinha o belo como antídoto para os horrores da sociedade industrial. Ele próprio era o modelo do dandy. Em 1883, encontra-se em Paris e entra em contacto com o mundo literário local, o que o leva a abandonar o seu movimento estético. Volta para a Inglaterra e casa-se com Constance Lloyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em Chelsea, um bairro londrino de artistas. Com Constance, teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886. Em 1892, inicia o ciclo de obras teatrais, hoje clássicos da dramaturgia britânica: “O Leque de Lady Windermere” (1892), “Uma Mulher sem Importância” (1893), “Um Marido Ideal” ou “A Importância de ser Ernesto” (ambas de 1895).O seu único romance é “O Retrato de Dorian Gray”. Em Maio de 1895, após três julgamentos, foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados, por "cometer actos imorais com diversos rapazes". Wilde escreveu uma denúncia contra um jovem chamado Bosie, publicada no livro “De Profundis”, acusando-o de tê-lo arruinado. Bosie era o apelido de Lorde Alfred Douglas, um dos homens de que se suspeitava que Wilde fosse amante. Foi o pai de Bosie, o Marquês de Queensberry, que levou Oscar Wilde a tribunal. Foi durante o período da prisão que Wilde redigiu uma longa carta a Douglas, que a chamou de “De Profundis”. No cárcere, em situações tremendas, tanto a saúde como a reputação foram aniquiladas. Aí escreveu, entre outros, “A Alma do Homem sob o Socialismo” e a célebre “Balada do Cárcere de Reading”. Libertado em 19 de Maio de 1897, raros foram os amigos a esperá-lo. Manteve fiel a ele Robert Ross. Instalado num andar humilde, em Paris, passou a usar o pseudónimo de Sebastian Melmoth. Morreu vítima de um violento ataque de meningite (agravado pelo álcool e pela sífilis), a 30 de Novembro de 1900. Wilde foi enterrado no Cemitério de Bagneux, fora de Paris, mas mais tarde foi transladado para o Cemitério de Père Lachaise em Paris.

Obras: 1878: Ravenna; 1881: Poems; 1888: The Happy Prince and Other Tales; 1889: The Decay of Lying; 1890: The Picture of Dorian Gray; 1891: Lord Arthur Savile’s Crime and Other Stories; The Soul of Man under Socialism; 1891: Intentions; Salome; 1892: The House of Pomegranates; Lady Windermere’s Fan; 1893: A Woman of No Importance; The Duchess of Padua; 1894: The Sphinx; 1895: An Ideal Husband; 1895: The Importance of Being Earnest; 1897: De Profundis; 1898 The Ballad of Reading Gaol.

Existem centenas de filmes baseados em obras de Oscar Wilde. Ficam aqui alguns dos mais conhecidos: The Picture of Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray), de Albert Lewin (1945); The Importance of Being Earnest (A Importância de se Chamar Ernesto), de Anthony Asquith (1952); An Ideal Husband (Um Marido Ideal), de Oliver Parker (1999); The Importance of Being Earnest (A Importância de Ser Ernesto), de Oliver Parker (2002); A Good Woman (Uma Boa Mulher), de Mike Barker (2004); Dorian Gray (Dorian Gray), de Oliver Parker (2009).

Conhece-se ainda um interessante filme baseado na sua vida: Wilde (Wilde), de Brian Gilbert (1997).

Sem comentários:

Enviar um comentário