segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SESSÃO 59: 16 DE DEZEMBRO DE 2014


A CASA DA FELICIDADE (2000)

Edith Wharton, escritora norte-americana que atravessou o final do séc. XIX e viria a falecer em França, em 1937, parece ter sorte com a adaptação de obras suas ao cinema. Depois de um excelente “A Idade da Inocência”, que Martin Scorsese nos deu em 1993, temos também outra soberba versão de um romance seu passado ao cinema, desta feita a sua segunda obra de fôlego, “A Casa da Felicidade”, escrita no início do século xx. O arranque é notável, de sugestão, de intensidade erótica, de contenção formal, de elegância estilística, de economia de meios: Lilly Bart, numa estação de caminhos-de-ferro, encontra Selden, seu secreto amor. A troca de olhares, o diálogo carregado de subtendidos, os movimentos de personagens e a colocação e deslocação da câmara, tudo faz desta cena um momento de particular significado, que irá ser acentuado, tempos depois, numa discreta cena de amor em Bellomont, que é todavia um dos mais eróticos momentos do cinema contemporâneo. Dois lábios que se tocam, num esboço de beijo, dois desejos que se cruzam e se bloqueiam. De resto, esta é a história de uma mulher que vive em Nova lorque, em 1905, que ama um homem, Selden, mas que por força de alguns erros próprios e da intolerância de uma sociedade mesquinha vai caindo até ao desespero.
Tendo como pano de fundo uma sociedade em transformações profundas, este filme é um retrato admirável de uma mulher a quem os preconceitos consomem. Proscrita pelos bem pensantes da época, Lily é assediada por anafados capitalistas, que a querem conquistar como troféu de caça. Mas resiste com uma dignidade muito pessoal. Desce até ao precipício, mostrando as vicissitudes de uma educação voltada sobretudo para o casamento. Um belíssimo filme, económico na reconstituição física da época, mas com um enorme talento e sensibilidade a desenhar o pulsar de um período olhado por dentro, impondo personagens e situações.


Terence Davies, realizador inglês cuja obra se inicia na década de 70 mas que rodou poucos títulos, assina filmes de uma qualidade e interesse acima da média: “Vozes Distantes”, “Vidas Suspensas”, “Aqueles Longos Dias” e “A Bíblia de Néon”. Terence Davis não é um cineasta fácil, tentado por qualquer contacto ardiloso com o grande público. Os seus filmes são discretos e intimistas, ganham em cumplicidade com o público o que perdem em espectacularidade. “A Casa da Felicidade” é, todavia, um dos seus melhores exemplos. De uma beleza formal e plástica por vezes sufocante, Terence Davis mantém a sua câmara num rigor de observação pouco usual nos dias que correm e faz desta obra um momento imperdível de justeza psicológica e de rigor narrativo.
Admirável e surpreendente o trabalho de Gillian Anderson (“Ficheiros Secretos”) e de Eric Stotz.

A CASA DA FELICIDADE
Título original: The House of Mirth
Realização: Terence Davies (Inglaterra, França, Alemanha, EUA, 2000); Argumento: Terence Davies, segundo romance de Edith Wharton ("The House of Mirth"); Produção: Pippa Cross, Bob Last, Olivia Stewart, Alan J. Wands;  Música (não original): Heather Bownass, Terry Davies, Isobel Griffiths, Adrian Johnston, Bruce White, Adrian Johnston; Fotografia (cor): Remi Adefarasin; Montagem: Michael Parker; Casting: Kerry Barden, Billy Hopkins, Suzanne Smith; Design de produção: Don Taylor; Direcção artística: Diane Dancklefsen; Decoração:  John Bush; Guarda-roupa:  Monica Howe; Maquilhagem: Eva Marieges Moore, Dianne Millar, Christine Powers, Jan Harrison Shell, Meg Speirs; Direcção de Produção:  Wendy Broom, Tony Hood, Sarah Lee; Assistentes de realização: William Booker, Sarah Lee, Nanna Mailand-Hansen, Guy Travers; Departamento de arte: Alan Bailey, Jo Graysmark, Barry Nelson, Danny Sumsion; Som: Tony Cook, Paul Hamblin, Catherine Hodgson; Efeitos especiais: Ricky Farns, Stuart Murdoch; Efeitos visuais: John Paul Docherty, Tim Ollive, Susi Roper; Companhias de produção: Arts Council of England, Diaphana Films , FilmFour, Granada Film Productions, Kinowelt Filmproduktion, National Lottery, Progres Film Distribution, The Scottish Arts Council,  Showtime Networks, The Glasgow Film Fund, Three Rivers Production; Intérpretes: Gillian Anderson (Lily Bart), Dan Aykroyd (Augustus 'Gus' Trenor), Eleanor Bron (Mrs. Julia Peniston), Terry Kinney (George Dorset), Anthony LaPaglia (Sim Rosedale), Laura Linney (Bertha Dorset), Jodhi May (Grace Julia Stepney), Elizabeth McGovern (Mrs. Carry Fisher), Eric Stoltz (Lawrence Selden), Penny Downie (Judy Trenor), Pearce Quigley (Percy Gryce), Helen Coker, Mary MacLeod, Paul Venables, Serena Gordon, Lorelei King, Linda Marlowe, Anne Marie Timoney, Clare Higgins, Ralph Riach, Brian Pettifer, Philippe De  Grossouvre, Trevor Martin, David Ashton, etc. Duração: 135 minutos; Distribuição em Portugal: LNK; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 11 de Maio de 2001.

TERENCE DAVIES (1945 - )
Terence Davies nasceu a 10 de Novembro de 1945, em Kensington, Liverpool, Lancashire, Inglaterra. A sua família era católica, com uma mãe muito religiosa, mas muito cedo Terence se declarou ateu. Depois de passar por vários pequenos empregos, deixou Liverpool e matriculou-se na Coventry Drama School, em Londres. Escreveu e realizaou uma curta autobiográfica, “Children” (1976), sob os auspícios do BFI Production Board. Cursou depois a National Film School, onde realizou “Madonna and Child” (1980), completando a trilogia com “Death and Transfiguration” (1983), onde imaginava a sua morte. “The Terence Davies Trilogy” ganhou vários prémios em festivais. Daí em diante, a sua obra é rara, recusando todas as concessões, mas de grande significado, sendo considerada uma das de maior importância no contexto do moderno cinema inglês. Há quem a ele se refira como “Britain's greatest living filmmaker”. “Distant Voices, Still Lives” e “The Long Day Closes” são dois marcos, com muita influência autobiográfica e jogando amiúde com a memória. Em 2002, o British Film Institute e a revista “Sight & Sound” organizaram um inquérito sobre os melhores filmes dos últimos 25 anos e “Distant Voices, Still Lives” apareceu colocado em nono lugar. Jean-Luc Godard, que não gostava particularmente de cinema inglês, considerou-o uma excepção “magnífica”.
“The Neon Bible” e “The House of Mirth”, adaptando romances de John Kennedy Toole e Edith Wharton, foram dois outros sucessos. “The Deep Blue Sea” é o seu último grande triunfo. Numa revelação intimista confessou: “Não gosto de ser gay. Isso arruinou a minha vida. Sou um celibatário, mas sê-lo ia mesmo que não fosse gay, pois não tenho uma boa aparência; porque estaria alguém interessado em mim? Ninguém estaria. O meu trabalho é o meu substituto”. Coleccionou até hoje um invulgar número de prémios e distinções.

Filmografia: 
Como realizador: 1976: Children (curta-metragem); 1980: Madonna and Child (curta-metragem); 1983: Death and Transfiguration (curta-metragem); 1984: The Terence Davies Trilogy (antologia dos três títulos anteriores); 1988: Distant Voices, Still Lives (Vozes Distantes, Vidas Suspensas); 1992: The Long Day Closes (Aqueles Longos Dias); 1995: The Neon Bible (A Bíblia de Neon); 2000: The House of Mirth (A Casa da Felicidade); 2008: Of Time and the City (documentário); 2011: The Deep Blue Sea (O Profundo Mar Azul); 2014: Sunset Song (em rodagem). 

Sem comentários:

Enviar um comentário