domingo, 28 de setembro de 2014

SESSÃO 49: 7 DE OUTUBRO DE 2014


CHUVA DE PEDRAS (1993)

Kenneth Loach é, conjuntamente com Mike Leigh, um dos mais importantes cineastas ingleses da actualidade, e um dos que mais empenhadamente reata com uma tradição de cinema social, que vem desde os anos 30, do documentarismo britânico de então, e que é repegada durante o período do “Free Cinema”, voltando a afirmar-se vigorosamente nas décadas de 70 a 90 do século passado. Desde “Poor Cow” (1967), passando por “Kes” (1970), depois por “Vida em Família”, Ken Loach não só confirma qualidades cinematográficas como documenta com uma observação crítica implacável as condições de vida das classes trabalhadoras, o que lhe permitiu um reconhecimento internacional, alternando uma carreira no cinema e na televisão, nunca se afastando da sua visão dos mais humildes e desprotegidos, a quem procura dar corpo e voz.
Numa entrevista, Ken Loach confessou há tempos que três filmes inspiraram a sua carreira, “Ladrões de Bicicletas”, de De Sica, “Os Amores de uma Loira”, de Milos Forman, e “A Batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo. Quem vê “Chuva de Pedras” não pode deixar de encontrar algumas afinidades com “Ladrões de Bicicletas”. Onde em De Sica um operário desempregado se vê em apuros por lhe roubarem a bicicleta, em “Chuva de Pedras” um desempregado em maus lençóis descobre-se desesperado quando lhe roubam uma carrinha. Em ambos há uma criança no meio de um casal em dificuldades extremas.
O filme começa um pouco em jeito de comédia quase burlesca. Bob e Tommy, dois amigos desempregados, tentam sobreviver roubando ovelhas que não conseguem matar, mas que, uma vez desmembradas pelo talhante cúmplice, vão vender pelos cafés das redondezas. É numa dessas sortidas que descobrem que a carrinha onde viajam desapareceu e os deixou apeados. Depois, a história centra-se mais em Bob Williams, que procura sobreviver de qualquer forma, e tenta sobretudo arranjar dinheiro para comprar o vestido e os sapatos para a primeira comunhão da sua filha Coleen. O padre da paróquia bem lhe tenta explicar que não é preciso uma vestimenta especial para o efeito, mas Bob não quer ser menos que os outros e a sua filha há-de ter um vestido novo, tal como a filha de qualquer burguês. Mete-se nas mais desvairadas ocupações, como desentupir canos, ser segurança num bar, roubar relva do clube dos conservadores locais, mas a sua desdita acontece sobretudo quando pede emprestadas duas centenas de libras que depois não pode pagar.


Ambientado nos arredores suburbanos de Manchester, “Raining Stones” tem a particularidade de abordar um tema forte e denso, nunca caindo nem na demagogia fácil, nem no choradinho melodramático, nem sobretudo no maniqueísmo político. Os seus protagonistas são pessoas complexas, o ambiente social é descrito com rigor e largueza de meios, as instituições são criticadas e o liberalismo thatcherista é zurzido, mas nada é dado a preto e preto. Por exemplo a personagem do padre é magnificamente desenhada, afastando a obra de qualquer simplismo ou facilitismo. São-nos apontados os perigos de uma sociedade virada para o consumo e o dinheiro, com a miséria dela decorrente, mas são igualmente evocados os riscos de um proletariado sem visão de classe, preocupado sobretudo em seguir as modas, mas também preso a tradicionalismos sem qualquer justificação, conjugando o pior do passado e do presente, que obviamente vão delapidar o futuro. O filme evolui entre o humor e o drama, envolvido sempre por um olhar fraterno e solidário, no que é muito bem servido por um elenco de actores pouco conhecidos do grande público, mas excelentes na sua simplicidade de processos e na sua aparente espontaneidade. Bruce Jones (Bob) voltaremos a ver em “Ou Tudo ou Nada”, e de Ricky Tomlinson (Tommy) em Portugal não há mais vestígios (apesar de ter uma vasta carreira como actor e escritor).

CHUVA DE PEDRAS
Título original: Raining Stones
Realização: Ken Loach (Inglaterra, 1993); Argumento: Jim Allen; Produção: Sally Hibbin; Música: Stewart Copeland; Fotografia (cor):  Barry Ackroyd;  Montagem: Jonathan Morris;  Design de produção: Martin Johnson; Direcção artística: Fergus Clegg; Guarda-roupa:  Anne Sinclair; Maquilhagem: Louise Fisher;  Direcção de Produção:  Lesley Stewart;  Assistentes de realização: David Gilchrist, Tommy Gormley, Ben Johnson; Departamento de arte: Simon Dalton, Nick Goodall, Stephen Hargreaves, James Morgan; Som: Ray Beckett, Karen Jones; Companhias de produção: Channel Four Films, Parallax Pictures; Intérpretes: Bruce Jones (Bob), Julie Brown (Anne), Gemma Phoenix (Coleen), Ricky Tomlinson (Tommy), Tom Hickey (Padre Barry), Mike Fallon (Jimmy), Ronnie Ravey (Butcher), Lee Brennan (Irishman), Karen Henthorn (jovem mãe), Christine Abbott (May), Geraldine Ward (Tracey), William Ash (Joe), Matthew Clucas (Sean), Anna Jaskolka, Jonathan James (Tansey), Anthony Bodell (Ted), Bob Mullane, Jack Marsden, Jim R. Coleman, George Moss, Jackie Richmond, Little Tony, Derek Alleyn, Tracey Adamson, Antony Audenshaw, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Trisan Editores, Lda; Classificação etária: M / 12 anos; Data de estreia em Portugal: 13 de Maio de 1994.

KEN LOACH (1936 - )
Kenneth Loach nasceu a 17 de Junho de 1936, em Nuneaton, Warwickshire, Inglaterra. Filho de
Vivien e John Loach, estudou na King Edward VI School e no St Peter's College, em Oxford, tendo entretanto passado dois anos na Royal Air Force. Interessado pelo teatro e pela representação, inicia a carreira como actor na Oxford Revue. Como assistente de encenador integra a companhia de Northampton, Royal & Derngate, mas na década de 60 do século XX vamos encontrá-lo na televisão, dirigindo em 1964 alguns episódios de “Z-Cars”. A sua actividade é intensa como documentarista e ficcionista, em telefilmes e séries, destacando-se “Up the Junction” (1965), “Cathy Come Home” (1966) ou “In Two Minds” (1967). Percebe-se desde logo o seu interesse pela vida e problemas das classes trabalhadoras, o que será uma constante em toda a sua obra futura. Estreia-se na longa-metragem de ficção para cinema com “Poor Cow” (1967), a que se segue “Kes” (1970), um magnífico retrato de um jovem, que chamou definitivamente a atenção para a sua personalidade e preocupações. O título encontra-se em 7º lugar na lista dos melhores filmes ingleses de sempre, numa consulta organizada pelo British Film Institute. “Vida em Família” confirma qualidades e reconhecimento internacional. A partir daí alterna o cinema com a televisão, nunca se afastando da sua visão da classe operária, que ele considera sem voz própria nos meios de comunicação social.
Entre 1980 e 1990, assina várias obras particularmente interessantes, como “Hidden Agenda”, “Carla's Song” ou “Land and Freedom”, onde se debatem problemas políticos e sociais que raras vezes são abordados no cinema. Com “The Wind That Shakes the Barley” ganha a Palma de Ouro de Cannes, tornando-se depois um dos autores mais constantes na selecção oficial deste festival.
Casado com Lesley, vive em Bath, onde é sócio do Bath City F.C, clube a que dedicou uma curta metragem, que surge no DVD de "Looking for Eric". Um dia confessou que três filmes inspiraram a sua carreira, “Ladrões de Bicicletas”, de De Sica, “Os Amores de uma Loira”, de Milos Forman, e “A Batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo. Em “Chuva de Pedras” há curiosas afinidades com “Ladrões de Bicicletas”. Reatando com uma tradição de cinema social, que vem desde os anos 30, do documentarismo, e que é repegada durante o período do “Free Cinema”, Ken Loach, como Mike Leigh, é uma das mais destacadas personalidades da cultura inglesa contemporânea. Loach tem coleccionado prémios e distinções, sobretudo na Europa. No Festival de Cannes foi prémio do Júri por “Hidden Agenda” (1990), “Raining Stones” (1993), e  “The Angel's Share” (2012).  Palma de Ouro com “The Wind That Shakes the Barley” (2006). César para o Melhor Filme Estrangeiro em 1996, com “Land and Freedom” e Melhor Filme da União Europeia, em 2005, para “Just a Kiss”. Em 2009, ganhou um prémio de honra pelo conjunto da sua obra, e em 2012 foi-lhe concedido o Prémio Robert-Bresson, no Festival de Veneza, atribuído pela igreja católica em reconhecimento pela “compatibilidade da sua obra com os ensinamentos do evangelho”. No mesmo ano, no festival de Grand Lyon, recebeu o Prix Lumière pelo conjunto da sua obra.

Filmografia
Como realizador - No cinema: 1967: Poor Cow; 1969: Kes (Kes); 1971: The Save the Children Fund Film (documentário); Family Life (Vida em Família); 1979: Black Jack; 1980: The Gamekeeper; 1981: Looks and Smiles; 1984: Which Side Are You On? (documentário); 1986: Fatherland; 1989: Time to Go (documentário); 1990: Riff-Raff (Riff-Raff); Hidden Agenda (Agenda Secreta); 1993: Raining Stones (Chuva de Pedras); 1994: Ladybird Ladybird (Ladybird Ladybird); 1995: A Contemporary Case for Common Ownership (documentário, curta-metragem); Land and Freedom (Terra e Liberdade); A Contemporary Case for Common Ownership (documentário); 1996: Carla's Song (A Canção de Carla); 1997: The Flickering Flame (documentário); McLibel: Two Worlds Collide (documentário); 1998: My Name Is Joe (O Meu Nome É Joe); 2000: Bread and Roses; 2001: The Navigators; 2002: Sweet Sixteen; 2002: 11’9’’01 - September 11 (11'09''01 - 11 Perspectivas) (episódio "United Kingdom"); 2004: Ae Fond Kiss; 2005: Tickets (corealizado com Ermanno Olmi e Abbas Kiarostami); 2005: McLibel, corealizado com Franny Armstrong (documentário); 2006: The Wind That Shake The Barley (Brisa de Mudança);  2007: Chacun son cinéma ou Ce petit coup au coeur quand la lumière s'éteint et que le film commence (Cada Um o Seu Cinema) (episódio "Happy Ending"); It's a Free World... (Neste Mundo Livre...); 2009: Looking For Eric (O Meu Amigo Eric); 2010: Route Irish (Route Irish - A Outra Verdade); 2012: The Angel's Share (A Parte dos Anjos); 2013: The Spirit of '45 (documentário); 2014: Jimmy's Hall (O Salão de Jimmy);

Na televisão: 1964: Z Cars (série); Diary of a Young Man; The Wednesday Play (série); Teletale: Catherine; 1965: A Tap on the Shoulder; 1965: 3 Clear Sundays; Up the Junction; 1965: The End of Arthur's Marriage; The Wednesday Play: Coming Out Party; 1966: The Wednesday Play: Cathy Come Home; 1967: The Wednesday Play: In Two Minds; 1968: The Wednesday Play: The Golden Vision; 1969: The Wednesday Play: The Big Flame; 1971: ITV Saturday Night Theatre: After a Lifetime; The Rank and the File; 1971-1977: Play for Today;  1973: A Misfortune; Full House;  1975: Days of Hope; 1977: The Price of Coal; 1980: Auditions; 1981: A Question of Leadership; 1983: Questions of Leadership; 1983: The Red and the Blue: Impressions of Two Political Conferences - Autumn 1982; 1989: The View From the Woodpile.

Sem comentários:

Enviar um comentário