CHUVA DE PEDRAS (1993)
Kenneth
Loach é, conjuntamente com Mike Leigh, um dos mais importantes cineastas
ingleses da actualidade, e um dos que mais empenhadamente reata com uma
tradição de cinema social, que vem desde os anos 30, do documentarismo britânico
de então, e que é repegada durante o período do “Free Cinema”, voltando a
afirmar-se vigorosamente nas décadas de 70 a 90 do século passado. Desde “Poor
Cow” (1967), passando por “Kes” (1970), depois por “Vida em Família”, Ken Loach
não só confirma qualidades cinematográficas como documenta com uma observação
crítica implacável as condições de vida das classes trabalhadoras, o que lhe
permitiu um reconhecimento internacional, alternando uma carreira no cinema e
na televisão, nunca se afastando da sua visão dos mais humildes e
desprotegidos, a quem procura dar corpo e voz.
Numa
entrevista, Ken Loach confessou há tempos que três filmes inspiraram a sua
carreira, “Ladrões de Bicicletas”, de De Sica, “Os Amores de uma Loira”, de
Milos Forman, e “A Batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo. Quem vê “Chuva de
Pedras” não pode deixar de encontrar algumas afinidades com “Ladrões de
Bicicletas”. Onde em De Sica um operário desempregado se vê em apuros por lhe
roubarem a bicicleta, em “Chuva de Pedras” um desempregado em maus lençóis
descobre-se desesperado quando lhe roubam uma carrinha. Em ambos há uma criança
no meio de um casal em dificuldades extremas.
O filme
começa um pouco em jeito de comédia quase burlesca. Bob e Tommy, dois amigos
desempregados, tentam sobreviver roubando ovelhas que não conseguem matar, mas
que, uma vez desmembradas pelo talhante cúmplice, vão vender pelos cafés das
redondezas. É numa dessas sortidas que descobrem que a carrinha onde viajam
desapareceu e os deixou apeados. Depois, a história centra-se mais em Bob
Williams, que procura sobreviver de qualquer forma, e tenta sobretudo arranjar
dinheiro para comprar o vestido e os sapatos para a primeira comunhão da sua
filha Coleen. O padre da paróquia bem
lhe tenta explicar que não é preciso uma vestimenta especial para o efeito, mas
Bob não quer ser menos que os outros e a sua filha há-de ter um vestido novo,
tal como a filha de qualquer burguês. Mete-se nas mais desvairadas ocupações,
como desentupir canos, ser segurança num bar, roubar relva do clube dos
conservadores locais, mas a sua desdita acontece sobretudo quando pede
emprestadas duas centenas de libras que depois não pode pagar.
Ambientado
nos arredores suburbanos de Manchester, “Raining Stones” tem a particularidade
de abordar um tema forte e denso, nunca caindo nem na demagogia fácil, nem no
choradinho melodramático, nem sobretudo no maniqueísmo político. Os seus
protagonistas são pessoas complexas, o ambiente social é descrito com rigor e
largueza de meios, as instituições são criticadas e o liberalismo thatcherista
é zurzido, mas nada é dado a preto e preto. Por exemplo a personagem do padre é
magnificamente desenhada, afastando a obra de qualquer simplismo ou
facilitismo. São-nos apontados os perigos
de uma sociedade virada para o consumo e o dinheiro, com a miséria dela
decorrente, mas são igualmente evocados os riscos de um proletariado sem visão
de classe, preocupado sobretudo em seguir as modas, mas também preso a
tradicionalismos sem qualquer justificação, conjugando o pior do passado e do
presente, que obviamente vão delapidar o futuro. O filme evolui entre o humor e
o drama, envolvido sempre por um olhar fraterno e solidário, no que é muito bem
servido por um elenco de actores pouco conhecidos do grande público, mas excelentes
na sua simplicidade de processos e na sua aparente espontaneidade. Bruce Jones
(Bob) voltaremos a ver em “Ou Tudo ou Nada”, e de Ricky Tomlinson (Tommy) em
Portugal não há mais vestígios (apesar de ter uma vasta carreira como actor e
escritor).
CHUVA DE PEDRAS
Título original: Raining Stones
Realização: Ken Loach (Inglaterra, 1993);
Argumento: Jim Allen; Produção: Sally Hibbin; Música: Stewart Copeland;
Fotografia (cor): Barry Ackroyd; Montagem: Jonathan Morris; Design de produção: Martin Johnson; Direcção
artística: Fergus Clegg; Guarda-roupa:
Anne Sinclair; Maquilhagem: Louise Fisher; Direcção de Produção: Lesley Stewart; Assistentes de realização: David Gilchrist,
Tommy Gormley, Ben Johnson; Departamento de arte: Simon Dalton, Nick Goodall,
Stephen Hargreaves, James Morgan; Som: Ray Beckett, Karen Jones; Companhias de
produção: Channel Four Films, Parallax Pictures; Intérpretes: Bruce Jones
(Bob), Julie Brown (Anne), Gemma Phoenix (Coleen), Ricky Tomlinson (Tommy), Tom
Hickey (Padre Barry), Mike Fallon (Jimmy), Ronnie Ravey (Butcher), Lee Brennan
(Irishman), Karen Henthorn (jovem mãe), Christine Abbott (May), Geraldine Ward
(Tracey), William Ash (Joe), Matthew Clucas (Sean), Anna Jaskolka, Jonathan
James (Tansey), Anthony Bodell (Ted), Bob Mullane, Jack Marsden, Jim R.
Coleman, George Moss, Jackie Richmond, Little Tony, Derek Alleyn, Tracey
Adamson, Antony Audenshaw, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal
(DVD): Trisan Editores, Lda; Classificação etária: M / 12 anos; Data de estreia
em Portugal: 13 de Maio de 1994.
KEN LOACH (1936 - )
Kenneth
Loach nasceu a 17 de Junho de 1936, em Nuneaton, Warwickshire, Inglaterra.
Filho de
Vivien
e John Loach, estudou na King Edward VI School e no St Peter's College, em
Oxford, tendo entretanto passado dois anos na Royal Air Force. Interessado pelo
teatro e pela representação, inicia a carreira como actor na Oxford Revue. Como
assistente de encenador integra a companhia de Northampton, Royal &
Derngate, mas na década de 60 do século XX vamos encontrá-lo na televisão,
dirigindo em 1964 alguns episódios de “Z-Cars”. A sua actividade é intensa como
documentarista e ficcionista, em telefilmes e séries, destacando-se “Up the
Junction” (1965), “Cathy Come Home” (1966) ou “In Two Minds” (1967). Percebe-se
desde logo o seu interesse pela vida e problemas das classes trabalhadoras, o
que será uma constante em toda a sua obra futura. Estreia-se na longa-metragem
de ficção para cinema com “Poor Cow” (1967), a que se segue “Kes” (1970), um
magnífico retrato de um jovem, que chamou definitivamente a atenção para a sua
personalidade e preocupações. O título encontra-se em 7º lugar na lista dos
melhores filmes ingleses de sempre, numa consulta organizada pelo British Film
Institute. “Vida em Família” confirma qualidades e reconhecimento
internacional. A partir daí alterna o cinema com a televisão, nunca se
afastando da sua visão da classe operária, que ele considera sem voz própria
nos meios de comunicação social.
Entre
1980 e 1990, assina várias obras particularmente interessantes, como “Hidden
Agenda”, “Carla's Song” ou “Land and Freedom”, onde se debatem problemas
políticos e sociais que raras vezes são abordados no cinema. Com “The Wind That
Shakes the Barley” ganha a Palma de Ouro de Cannes, tornando-se depois um dos
autores mais constantes na selecção oficial deste festival.
Casado
com Lesley, vive em Bath, onde é sócio do Bath City F.C, clube a que dedicou
uma curta metragem, que surge no DVD de "Looking for Eric". Um dia
confessou que três filmes inspiraram a sua carreira, “Ladrões de Bicicletas”,
de De Sica, “Os Amores de uma Loira”, de Milos Forman, e “A Batalha de Argel”,
de Gillo Pontecorvo. Em “Chuva de Pedras” há curiosas afinidades com “Ladrões
de Bicicletas”. Reatando com uma tradição de cinema social, que vem desde os
anos 30, do documentarismo, e que é repegada durante o período do “Free
Cinema”, Ken Loach, como Mike Leigh, é uma das mais destacadas personalidades
da cultura inglesa contemporânea. Loach tem coleccionado prémios e distinções,
sobretudo na Europa. No Festival de Cannes foi prémio do Júri por “Hidden
Agenda” (1990), “Raining Stones” (1993), e
“The Angel's Share” (2012). Palma de Ouro com “The Wind That Shakes the Barley”
(2006). César
para o Melhor Filme Estrangeiro em 1996, com “Land and Freedom” e Melhor Filme
da União Europeia, em 2005, para “Just a Kiss”. Em 2009, ganhou um prémio de
honra pelo conjunto da sua obra, e em 2012 foi-lhe concedido o Prémio
Robert-Bresson, no Festival de Veneza, atribuído pela igreja católica em
reconhecimento pela “compatibilidade da sua obra com os ensinamentos do
evangelho”. No mesmo ano, no festival de Grand Lyon, recebeu o Prix Lumière pelo
conjunto da sua obra.
Filmografia
Como realizador - No cinema: 1967: Poor Cow; 1969: Kes (Kes); 1971: The Save the
Children Fund Film (documentário); Family Life (Vida em Família); 1979: Black
Jack; 1980: The Gamekeeper; 1981: Looks and Smiles; 1984: Which Side Are You
On? (documentário); 1986: Fatherland; 1989: Time to Go (documentário); 1990:
Riff-Raff (Riff-Raff); Hidden Agenda (Agenda Secreta); 1993: Raining Stones
(Chuva de Pedras); 1994: Ladybird Ladybird (Ladybird Ladybird); 1995: A
Contemporary Case for Common Ownership (documentário, curta-metragem); Land and
Freedom (Terra e Liberdade); A Contemporary Case for Common Ownership
(documentário); 1996: Carla's Song (A Canção de Carla); 1997: The Flickering
Flame (documentário); McLibel: Two Worlds Collide (documentário); 1998: My Name
Is Joe (O Meu Nome É Joe); 2000: Bread and Roses; 2001: The Navigators; 2002:
Sweet Sixteen; 2002: 11’9’’01 - September 11 (11'09''01 - 11 Perspectivas)
(episódio "United Kingdom"); 2004: Ae Fond Kiss; 2005: Tickets (corealizado
com Ermanno Olmi e Abbas Kiarostami); 2005: McLibel, corealizado com Franny
Armstrong (documentário); 2006: The Wind That Shake The Barley (Brisa de
Mudança); 2007: Chacun son cinéma ou Ce
petit coup au coeur quand la lumière s'éteint et que le film commence (Cada Um
o Seu Cinema) (episódio "Happy Ending"); It's a Free World... (Neste Mundo Livre...); 2009:
Looking For Eric (O Meu Amigo Eric); 2010: Route Irish (Route Irish - A Outra
Verdade); 2012: The Angel's Share (A Parte dos Anjos); 2013: The Spirit of '45
(documentário); 2014: Jimmy's Hall (O Salão de Jimmy);
Na televisão: 1964:
Z Cars (série); Diary of a Young Man; The Wednesday Play (série); Teletale:
Catherine; 1965: A Tap on the Shoulder; 1965: 3 Clear Sundays; Up the Junction;
1965: The End of Arthur's Marriage; The Wednesday Play: Coming Out Party; 1966:
The Wednesday Play: Cathy Come Home; 1967: The Wednesday Play: In Two Minds;
1968: The Wednesday Play: The Golden Vision; 1969: The Wednesday Play: The Big
Flame; 1971: ITV Saturday Night Theatre: After a Lifetime; The Rank and the
File; 1971-1977: Play for Today; 1973: A
Misfortune; Full House; 1975: Days of
Hope; 1977: The Price of Coal; 1980: Auditions; 1981: A Question of Leadership;
1983: Questions of Leadership; 1983: The Red and the Blue: Impressions of Two
Political Conferences - Autumn 1982; 1989: The View From the Woodpile.
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