LIGAÇÕES PERIGOSAS (1988)
Pierre-Ambroise-François
Choderlos de Laclos (1741 - 1803), o autor de "Les Liaisons Dangereuses",
foi general do exército francês e tinha propensão para a matemática. Atravessou
uma época particularmente conflituosa da História Francesa, com Revolução e
Napoleão pelo meio, era o negativo de um Don Juan ou Casanova, marido
amantíssimo e fiel, e dizem-no não muito bem parecido nem sedutor. Entre as
suas comissões de serviço e as férias que tirava para passar em Paris escreveu
a obra que o iria imortalizar. O seu
romance “As Ligações Perigosas” conheceu êxito imediato que se mantém até ao
presente. Razão para ter sido tantas vezes adaptado ao cinema e à televisão e
em países tão diversos.
Em
1959, Roger Vadim dirige "Les Liaisons Dangereuses" (Ligações
Perigosas), uma das versões mais célebres, por ser das primeiras, e por incluir
no elenco Jeanne Moreau, Gérard Philipe e Jean-Louis Trintignant, além da
adaptação contar com a colaboração de Roger Vailland (e também de Claude Brulé
e do próprio Vadim). Roger Vailland era tido como escritor da libertinagem e da
felicidade (além de comunista, a partir de certa altura da sua vida) e um
especialista em Roger Vailland, de quem escreveu uma biografia. Roger Vadim era
um provocador, o filme foi um sucesso, um escândalo na época.
Depois,
“Valmont”, em 1989, com assinatura de Milos Forman, contava igualmente com um
bom elenco, Colin Firth, Annette Bening, Meg Tilly, entre outros. Praticamente
ao mesmo tempo (1988), em Inglaterra, Stephen Frears rodara outra “Dangerous
Liaisons”, retirada de uma peça teatral da autoria de Christopher Hampton que a
levava ao cinema. Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Keanu Reeves
são os principais intérpretes e pode dizer-se que a obra constituiu um êxito
brilhante.
Curioso
será referir que o mesmo romance está na base de muitas outras adaptações, umas
mais, algumas menos fiéis ao espírito, ao tempo e ao local, mas não espanta ver
chineses e coreanos a assumirem admiração pelos escritos de Laclos:
“Wi-heom-han gyan-gye” é de 2012, rodado na China, por Jin-ho Hur, com Cecilia
Cheung, Dong-gun Jang, Ziyi Zhang, e “Scandal - Joseon namnyeo sangyeoljisa”
surge no ano seguinte, uma produção da Coreia do Sul, assinada por Je-yong Lee,
com Mi-suk Lee, Do-yeon Jeon e Yong-jun Bae. Também na televisão são várias as
adaptações, mas uma das mais badaladas é uma mini série de 2003, francesa, “Les
Liaisons Dangereuses”, com realização de Josee Dayan, e um elenco de luxo,
Catherine Deneuve, Rupert Everett, Nastassja Kinski.
Esta
versão de Stephen Frears é uma das de maior sucesso. Sendo o romance de
Choderlos de Laclos uma obra das mais conhecidas do seculo XVIII é evidente que
nela se cristalizam algumas das ideias centrais deste período que irá marcar
para sempre a História da Humanidade, pelo clima revolucionário que impôs, pelo
ambiente de liberalização de costumes que desencadeou, pela sede de liberdade
que advogou, fundamentalmente ainda pelas profundas transformações sociais que
proporcionou. A Revolução Francesa (e todas as outras que se lhe seguiram,
inspiradas nesta), o pensamento dos iluministas e o seu saber enciclopedista (Diderot,
d'Alembert, Voltaire ou Montesquieu, entre outros), a ideia filosófica de
libertinagem que se manifesta sobretudo nas artes e, nomeadamente, na
literatura, com autores como o Marquês de Sade, Restif de La Bretonne, ou o
próprio Choderlos de Laclos, abalaram as estruturas sociais e mentais da época,
criando a base do futuro.
Fiquemos
agora pela figura do libertino, esse indivíduo mais ou menos amoral que elege
como valor supremo a liberdade de comportamento e satisfação dos seus prazeres,
particularmente os sexuais. O amor torna-se então não tanto um jogo de
sentimentos, mas sobretudo um divertimento que procura saciar o desejo sexual.
Mas o curioso, neste contexto, é que cada autor apresenta uma ideia muito
pessoal desta procura. O Marquês de Sade, em títulos como “Os Crimes do Amor”,
“120 Dias de Sodoma”, “A Filosofia na Alcova” ou “Justine ou Os Infortúnios da
Virtude”, é o mais radical na sua defesa do prazer pessoal que pode levar até
ao aniquilamento do outro. Restif de La Bretonne, autor de “Anti-Justine ou As
Delícias do Amor”, não cedendo perante quase nenhum tabu, propõe um tipo de
amor livre notoriamente mais pacífico e harmonioso. Quanto a Choderlos de
Laclos, em “As Relações Perigosas”, para lá do rigor na descrição da época, é
talvez o mais moralista, pois no final as manipulações sem escrúpulos,
tendentes à satisfação do desejo, acabarão por demonstar que, quando o amor se
intromete, a tragédia pode advir.
O filme
de Stephen Frears, rodado quase todo em cenários naturais, nas regiões francesas
de Île-de-France e da Picardia, com exteriores e interiores de castelos como os
de Vincennes, de Champs-sur-Marne, de Guermantes, de Saussay, e ainda do Teatro
Montansier em Versailles, funciona um pouco como um jogo de sombras, uma
história de fantasmas que habitam sumptuosos palácios e se entregam a
entretenimentos de uma total vacuidade. São jogos de sedução que não
ultrapassam o vazio e a ociosidade de quem os pratica. Olhando para estes
títeres sem densidade percebe-se o porquê da Revolução Francesa, o porquê do
ódio à aristocracia e à monarquia. A história é resumidamente simples: a
Marquesa de Merteuil (Glenn Close) e o seu amigo e ex-amante Visconde de
Valmont (John Malkovich) imaginam uma vingança da marquesa contra um antigo
amante que a trocou por Cecile (Uma Thurman), filha de sua prima Madame de
Volanges, com quem pensa casar. A jovem é inocente e desprevenida e cai numa
cilada de Valmont, mas este está muito mais interessado em captar o interesse
de Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), que tem o marido em viagem de
negócios e se mostra um troféu muito mais difícil de alcançar.
Toda a
intriga se estabelece entre estas conjuras, onde a ideia de sedução está mais
ligada a um jogo de submissão e poder do que ao desejo ou ao amor. Mas será o
amor finalmente a intrometer-se e levar ao desenlace trágico, que levanta o véu
de uma moralidade que castiga os manipuladores, sem por isso salvar as vítimas.
A adaptação parece bastante fiel ao romance, ainda que no final a condenação da
Marquesa de Merteuil não seja no filme tão brutal como acontece no romance.
Cremos
que a intenção de Stephen Frears é mais esboçar
um retrato fantasmagórico da sociedade aristocrata do século XVIII do que
propriamente o esquisso de um estudo da libertinagem desse período.
“Les
Liaisons Dangereuses”, o romance, é uma obra que vive unicamente de trocas de
cartas e é através delas que vamos conhecendo o desenrolar das intrigas, o que
se encontra muito na tradição do romance iluminista desse século (veja-se o
caso de “A Religiosa”, de Diderot, todo ele baseado em cartas e diário). Este
ponto de partida torna mais difícil a sua adaptação ao cinema, mas nem por isso
menos apetecível, como já vimos.
Nesta
versão, há que sublinhar devidamente a qualidade e o rigor da reconstituição de
época. Quer o design de produção (Stuart Craig), a direcção artística (Gavin
Bocquet e Gérard Viard), como os elementos de decoração (Gérard James) ou o
sumptuoso guarda-roupa (James Acheson), são primorosos, bem como a fotografia
de Philippe Rousselot e a excelente banda sonora de George Fenton. Mas creio
que um dos pontos altos da obra é o trabalho dos actores: Glenn Close é
inesquecível na ambiciosa e pérfida Marquesa de Merteuil, John Malkovich é
inquietante como Valmont, um predador sexual arrogante e petulante, amoral e
presunçoso, Michelle Pfeiffer perfeita na forma atormentada como recria Madame
de Tourvel, Keanu Reeves é um competente Cavaleiro Danceny, e Uma Thurman, uma
frágil e estouvada Cecile.
“Ligações
Perigosas” foram nomeadas para os Oscars em sete categorias (Melhor Filme,
Melhor Actriz (Glenn Close), Melhor Actriz Secundaria (Michelle Pfeiffer),
Melhor Partitura Musical (George Fenton), Melhor Argumento Adaptado
(Christopher Hampton), Melhor Direcção Artística (Stuart Craig / Gérard James)
e Melhor Guarda-roupa (James Acheson), tendo vencido nas três últimas. Nos
BAFTAS ingleses reteve dez nomeações, tendo ganho duas (Michelle Pfeiffer e
Christopher Hampton).
LIGAÇÕES PERIGOSAS
Título original: Dangerous
Liaisons
Realização: Stephen Frears (Inglaterra,
EUA, 1988); Argumento: Christopher Hampton, segundo peça de sua autoria,
adaptada do romance de Choderlos de Laclos ("Les Liaisons
Dangereuses"); Produção: Christopher Hampton, Norma Heyman, Hank Moonjean;
Música: George Fenton; Fotografia (cor):
Philippe Rousselot; Montagem: Mick Audsley; Casting: Howard Feuer, Juliet Taylor; Design de
produção: Stuart Craig; Direcção
artística: Gavin Bocquet, Gérard Viard; Decoração: Gérard James; Guarda-roupa:
James Acheson; Maquilhagem: Monique Huylebroeck, Peter Owen, Dominique Plez,
Malou Rossignol, Jean-Luc Russier, Pierre Vadé;
Direcção de Produção: Patrick
Gordon, Suzanne Wiesenfeld; Assistentes de realização: Jérôme George, Vincent
Lascoumes, Bernard Seitz; Departamento de arte: Paul Bastide, Daniel
Braunschweig, André Loisif, André Marchandet, Claude Potier, Claude
Périnet; Som: Christopher Ackland,
Richard Dunford, Steve Hancock, Peter Handford, Kant Pan, John Stevenson;
Companhias de produção: Lorimar Film Entertainment, NFH Productions, Warner
Bros; Intérpretes: Glenn Close
(Marquesa Isabelle de Merteuil), John Malkovich (Vinconde Sébastien de
Valmont), Michelle Pfeiffer (Madame de Tourvel), Swoosie Kurtz (Madame de
Volanges), Keanu Reeves (Cavaleiro Raphael Danceny), Mildred Natwick (Madame de
Rosemonde), Uma Thurman (Cécile de Volanges), Peter Capaldi (Azolan), Joe
Sheridan (Georges), Valerie Gogan (Julie), Laura Benson (Emilie), Joanna Pavlis
(Adèle), Nicholas Hawtrey (Major-domo), Paulo Abel Do Nascimento (Castrato),
François Lalande (Cura), François Montagut, Harry Jones, Christian Erickson,
Catherine Cauwet, Shannon Finnegan, Patricia Kessler, etc. Duração: 119 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD);
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 3 de Março de
1989.
STEPHEN FREARS (1941 - )
Nasceu
a 20 de Junho de 1941, em Leicester, Inglaterra. Estudou na escola de Gresham,
depois cursou Direito na Universidade de Cambridge. Foi
assistente de Lindsay Anderson e de Albert Finney no London's Royal Court
Theatre. Integrou a "David Lean Chair in Fiction Direction" na
National Film and Television School, em Beaconsfield. Foi assistente de realização de
Karel Reisz no filme “Morgan - Um Caso para Tratamento”. Estreia-se na
realização com a curta-metragem The Burning (1968). Até 1984, dirigiu episódios
de séries de televisão e programas para a BBC. “The Hit” é a sua longa-metragem
de estreia, a que se seguiram obras que o projectaram internacionalmente, “My
Beautiful Laundrette” e “Prick Up Your Ears”. A glória chega com “Dangerous
Liaisons”, que ganharia três Oscars, e “The Grifters”, primeira nomeação para o
Oscar de Melhor Realizador. Oscilando entre Hollywood e a Inglaterra, a sua carreira
acumula sucessos. Casado com Mary-Kay Wilmers, de quem se divorciou, e
posteriormente com Anne Rothenstein (1992 – até ao presente).
Filmografia
Como realizador: 1968: The Burning
(curta-metragem); 1969: St. Ann's (curta-metragem documental); Parkin's Patch
(TV) (2 episódios); 1971-1973: Follyfoot (TV) (4 episódios); 1970: Tom Grattan's War (TV) (5 episódios);
1971: Gumshoe (Passos Silenciosos); 1972: A Day Out (TV); 1973: Sporting Scenes
(TV) (1 episódio); The Cricket Match (TV); 1974: Second City Firsts (TV) (1
episódio); 1975: Three Men in a Boat (TV); Daft As a Brush (TV);
1975-1979: Play for Today (TV) (3
episódios); 1976: Last Summer (TV); 1976-1981: BBC2 Playhouse (TV) (2
episódios); 1977: Black Christmas
(TV); 1977-1978: ITV Playhouse (TV) (2 episódios); 1977-1978
BBC2 Play of the Week (TV) (2 episódios); 1978: Doris and Doreen (TV); Me! I'm
Afraid of Virginia Woolf (TV); 1979: Bloody Kids; One Fine Day (TV); Afternoon
Off (TV); 1982: Walter (TV); The Tractor Factor (curta-metragem); 1983: Saigon:
Year of the Cat (TV); The Last Company Car (TV); Walter and June (TV); 1984:
The Hit (Refém de Boa Vontade); 1984-1988: The Comic Strip Presents... (TV) (3
episódios); 1985: My Beautiful Laundrette (A Minha Bela Lavandaria); 1986:
Walter and June; Screen Two (TV) (1 episódio); 1987: Prick Up Your Ears (Vidas
em Fúria); 1987: Sammy and Rosie Get Laid (Sammy e Rosie); December Flower
(TV); 1988: Dangerous Liaisons (Ligações Perigosas); 1990: The Grifters
(Anatomia do Golpe); 1992: Hero (O Herói Acidental); 1993: The Snapper (O Puto)
(TV); 1996: Mary Reilly (Mary Reilly); 1995: A Personal History of British
Cinema by Stephen Frears (TV); 1996: The Van (A Carrinha); 1998: The Hi-Lo
Country (Terra Perdida); 2000: High Fidelity (Alta Fidelidade); Liam; Fail Safe
(Alerta Nuclear) (TV); 2003: Dirty Pretty Things (Estranhos de Passagem); The
Deal (TV); 2004: The Route V50
(curta-metragem); 2005: Mrs. Henderson Presents (Mrs. Henderson) 2006: The
Queen (A Rainha); Sarah Brightman: Diva: The Video Collection (Vídeo) (video
"Pie Jesu"); 2007: The Making
of 'The Queen' (TV); 2008: Skip Tracer (TV); 2009: Chéri; 2010: Tamara Drewe;
2012: Lay the Favorite; 2013: Muhammad Ali's Greatest Fight; Philomena
(Filomena).
CHRISTOPHER HAMPTON (1946 - )
Christopher
James Hampton nasceu a 26 de Janeiro de 1946 , no Faial, Açores, Portugal. Os
pais foram Dorothy Patience e Bernard Patrick Hampton, um engenheiro naval de
telecomunicações da Cable & Wireless. Depois dos Açores a família passou
por Aden, Alexandria, Hong Kong e Zanzibar. Autor de inúmeras peças teatrais,
adaptações para teatro e cinema e argumentos originais para cinema e
televisão. Casado com Laura de Holesch
(1971: até ao presente). Foi nomeado Comandante da Ordem do Império Britânico
em 1999. Em 1995, ganhou dois Tonys pela sua adaptação teatral de "Sunset
Boulevard”. Anteriormente já havia sido nomeado por duas vezes, noutras
peças,"The Philanthropist"(1971) e "Les Liaisons
Dangereuses" (1987).
Bibliografia
Peças: 1964: When Did
You Last See My Mother?; 1967: Total Eclipse; 1969: The Philanthropist; 1973:
Savages; 1975: Treats; 1984: Tales From Hollywood; 1991: White Chameleon; 1994:
Alice's Adventures Under Ground; 2002: The Talking Cure; 2012: Appomattox;
Musicais: 1993: Sunset
Boulevard; 2001 & 2004: Dracula, The Musical; 2012: Rebecca, 2013: Stephen
Ward the Musical;
Adaptações: 1977:
Tales from the Vienna Woods, de Ödön von Horváth; 1982: The Portage to San
Cristobal of A.H., de George Steiner; 1983: Tartuffe, de Molière; 1985: Les
Liaisons Dangereuses, de Choderlos de Laclos; 1993: Sunset Boulevard, de Billy
Wilder; 2001 & 2004: Dracula, The Musical, de Barm Stoker; 2006: Embers, de
Sándor Márai; 2009: The Age of the Fish, de Ödön von Horváth;
Filmografia para cinema e televisão: 1973: A Doll's House; 1977: Able's Will; 1979: Tales
from the Vienna Woods; 1981: The History Man;1983: Beyond the Limit; 1984: The
Honorary Consul (O Cônsul Honorário); 1986: The Wolf at the Door (Lobo
Indomável); 1986: Hotel du Lac: 1986: The Good Father (O Bom Pai); 1986:
Arriving Tuesday; 1988: Dangerous Liaisons (Ligações Perigosas); 1989: Tales from Hollywood; 1989: The Ginger
Tree; 1995: Carrington (Carrington); 1995: Total Eclipse (Eclipse Total); 1996:
Mary Reilly (Mary Reilly); 1996: The Secret Agent (O Agente Secreto); 2002: The
Quiet American (O Americano Tranquilo); 2003: Imagining Argentina (Aconteceu na
Argentina); 2007: Atonement (Expiação); 2009: Cheri; 2009: Sunset Boulevard;
2011: A Dangerous Method (Um Método Perigoso); 2012: Ali and Nino (Paixões
Proibidas); 2013 - The Thirteenth Tale.
Sem comentários:
Enviar um comentário