segunda-feira, 8 de setembro de 2014

SESSÃO 44: 9 DE SETEMBRO DE 2014


A MISSÃO (1986)

Esta é mais uma produção David Puttnam (aqui aliado a Fernando Ghia), desta feita com realização de Roland Joffé, com argumento original de Robert Bolt, conhecido dramaturgo e argumentista. Na base encontra-se um episódio histórico da colonização da América Latina.
Estamos no séc. XVIII, numa região hoje dividida por diversos países (Argentina, Paraguai, Bolívia, Brasil), mas na altura disputada por dois europeus colonizadores, espanhóis e portugueses, que pretendiam ocupar um território até aí pertença dos índios guaranis.
Após o Tratado de Madrid, no início de 1750, os guaranis da região dos Sete Povos das Missões recusam-se a partir das suas terras, situadas no Rio Grande do Sul e a transferirem-se para o outro lado do rio Uruguai, conforme acordado entre Portugal e Espanha. Depois dessa divisão do mapa, o império português anexou territórios de missões jesuíticas situadas a leste do Rio Uruguai. Mas o essencial da discórdia tem a ver com a forma como portugueses e espanhóis tratavam os indígenas. No fundo, o que os dividia era, nessa altura, mais uma questão de terminologia do que outra razão qualquer. Os portugueses escravizavam os indígenas, pois a escravidão era legal, enquanto que para os espanhóis, os índios eram chamados “súbditos do Rei da Espanha”, logo não eram considerados escravos. Quanto à forma de tratamento não era muito diversa: discutiam ambos se os índios eram ou não animais. Curiosamente, no filme em questão há bons exemplos das péssimas práticas espanholas. O humanismo estava de todo arredado da questão. A não ser por parte das missões jesuíticas. “A Missão” não foca, mas o português Padre António Vieira (1608 —1697) terá sido um dos percursores desse espírito de missão em terras brasileiras, defendendo intransigentemente os direitos dos povos indígenas.
Combatendo a escravidão e a barbárie, estas missões jesuíticas procuravam, sobretudo, evangelizar os índios e, convertidos estes à religião cristã, colocavam-se a salvo da escravidão.


Mas a procura de mão-de-obra levava os bandeirantes a internarem-se pela selva, por vezes em locais onde já haviam chegado os jesuítas, erguendo missões, catequizando os indígenas e dando-lhes rudimentos de uma cultura europeia. Alguns deles eram dados a música clássica, haviam erguido pequenas aldeias e igrejas, sabiam escrever e ler, e tinham a Bíblia como livro sagrado.
Em Portugal, o Marquês de Pombal não simpatizava particularmente com os jesuítas, e por isso, do conluio entre portugueses, espanhóis e o Papa, resultaram massacres odiosos, como o da Missão de S. Miguel que o filme de Roland Joffé testemunha com brilhantismo, servindo-se para tanto da história de dois jesuítas, o padre Gabriel (Jeremy Irons) e o convertido Rodrigo Mendoza (Robert De Niro), ao lado de outros, como o padre Fielding (Liam Neeson). Gabriel era o missionário exemplar, que não recorre à força, apenas à fé: “Se a força é a razão, então não há lugar neste mundo para o amor. Eu não pertenço a este mundo”. Por seu turno, o percurso de Rodrigo Mendoza é bem diverso. Ele é um violento mercador de escravos espanhol que, por ciúmes, mata o irmão que conquistara a mulher que ele amava, e passa a viver amargurado pelo remorso, o que acaba por o levar a juntar-se aos jesuítas, nas florestas brasileiras. Rodrigo Mendoza assume a filosofia da não-violência, mas quando os massacres se avizinham não deixa de pegar em armas para defender os guaranis. São duas mentalidades que se confrontam, mas nem uma nem outra se pode opor à força bruta e às pretensões mercantilistas das forças opressoras. 
Roland Joffé cria um obra de grande vigor, com magníficos momentos dramáticos e sequências de grande espectacularidade, que alternam bem com outras de recatada interioridade, excelentemente interpretada, fotografada com mestria pela câmara de Chris Menges, que aproveita de forma poderosa os ambientes naturais da selva latino-americana, mas também os interiores, e servida por uma partitura musical de Ennio Morricone particularmente feliz, sobretudo nos seus momentos corais. Trata-se, portanto, de um filme invulgarmente interessante, tanto pela reconstituição de uma época e dos conflitos que a atravessam, quer ainda de um ponto de vista cinematográfico e espectacular, o que lhe valeu, entre muitos outros prémios, a Palma de Ouro e o Grande Prémio Técnico do Festival de Cannes, os BAFTAS, para Melhor Actor Secundário (Ray McAnally), Melhor Montagem (Jim Clark) e Melhor Partitura (Ennio Morricone), os Globos de Ouro para Melhor Argumento (Robert Bolt) e Partitura (Ennio Morricone) e ainda o Oscar para Melhor Fotografia (Chris Menges), além de ter coleccionado mais seis nomeações para Melhor Filme do ano, Melhor Realização, Melhor Direcção Artística, Melhor Montagem, Melhor Guarda-roupa, e Melhor Partitura Musical.



A MISSÃO
Título original: The Mission
Realização: Roland Joffé (Inglaterra, 1986); Argumento: Robert Bolt; Produção: Fernando Ghia, David Puttnam, Iain Smith, Alejandro Azzano, Felipe López Caballero; Música: Ennio Morricone; Fotografia (cor): Chris Menges; Montagem: Jim Clark; Casting: Susie Figgis, Juliet Taylor; Design de produção: Stuart Craig; Direcção artística: Norman Dorme, John King, George Richardson; Guarda-roupa: Enrico Sabbatini;Maquilhagem: Charlotte Bakker, Paula Gillespie, Tommie Manderson; Direcção de Produção: Máximo Berrondo, Barrie Melrose; Assistentes de realização: Salvatore Basile,  Claudia Gomez, Uberto Pasolini, Gerry Toomey, Bill Westley; Departamento de arte: Michael Bacon, Edgardo Benvenuto, Frank Berlin, Jack Carter, Ian Giladjian, John Graham, Brian Humphrey, Peter Melrose, Richard Morrison;  Som: Christopher Ackland, Allan Brereton, Trevor Rutherford, Clive Winter; Efeitos especiais: Martin Gant, Peter Hutchinson; Efeitos visuais: Costas Charitou, David Smith; Companhias de produção:Warner Bros., Goldcrest Films International, Kingsmere Productions Ltd., Enigma Productions; Intérpretes: Robert De Niro (Rodrigo Mendoza), Jeremy Irons (Padre Gabriel), Ray McAnally (Cardeal Altamirano), Aidan Quinn (Felipe Mendoza), Cherie Lunghi (Carlotta), Ronald Pickup (Hontar), Chuck Low (Cabeza), Liam Neeson (Fielding), Bercelio Moya (rapaz índio), Asuncion Ontiveros (chefe índio), Sigifredo Ismare, Alejandrino Moya,  Daniel Berrigan, Rolf Gray, Álvaro Guerrero, Tony Lawn, Joe Daly, Carlos Duplat, Rafael Camerano, Monirak Sisowath, Silvestre Chiripua, Luis Carlos Gonzalez, Maria Teresa Ripoll, Alberto Borja, Jacques Des Grottes, Enrique Lamas, Fred Melamed, Antonio Segovia, Harlan Venner, etc. Duração: 125 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Dezembro de 1986.

ROLAND JOFFÉ (1945 - )
Nasceu a 17 de Novembro de 1945 em Kensington, Londres, Inglaterra. A mãe morreu quando Roland era ainda muito jovem. O pai, Marc Joffé, escritor e jornalista de origem francesa mas nascido em Riga, viveu com Esther Garman, filha do escultor Jacob Epstein, e foi ele quem tomou conta do neto adoptivo. Estudou no Lycée Français e no Carmel College em Oxfordshire, o único internato europeu dirigido por judeus, que existiu entre 1948 e 1997. Mais tarde, cursou teatro e inglês na Universidade de Manchester. Na década de 1960, fundou o Young Vic Theatre, onde dirigiu várias produções. Foi o mais jovem encenador a trabalhar no National Theatre de Londres, quando Laurence Olivier era o director artístico. A partir de 1970, passou a trabalhar sobretudo para televisão, começando por dirigir alguns episódios de "Coronation Street" (ITV), ganhando grande prestígio. Por essa altura, frequentou reuniões do Workers' Revolutionary Party ("Partido Revolucionário dos Trabalhadores"), uma pequena formação trotskista. Em 1977, Joffé foi contratado pela BBC para dirigir uma peça, “The Spongers”. Mas como havia sido colocado na lista negra pelos serviços de segurança britânicos, o MI5, Tony Garnett, o produtor da peça, ameaçou denunciar publicamente o caso, e o veto contra Joffé foi levantado. “The Spongers” receberia vários prémios, incluindo o prestigioso Prix Italia. Os seus primeiros filmes, “The Killing Fields” (1984) e “The Mission” (1986), produzidos ambos por David Puttnam, tiveram grande sucesso e nomeações para os Oscars.  A sua carreira posterior não voltará a ter o mesmo êxito. Casado com as actrizes Jane Lapotaire (1971 - 1980) e Cherie Lunghi.

Filmografia
Como realizador: 1973-1974: Coronation Street (TV); 1975: The Stars Look Down (TV); 1976: Bill Brand (TV); Crown Court (TV); 1977: Second City Firsts (TV); Headmaster (TV); 1978-1981: Play for Today (TV); 1979: ITV Playhouse (TV); 1980: Tis Pity She's a Whore (TV); 1984: The Killing Fields (Terra Sangrenta); 1986: The Mission (A Missão); 1989: Fat Man and Little Boy (Sombras no Futuro); 1992: City of Joy (Cidade da Alegria); 1995: The Scarlet Letter (Adultério); 1999: Goodbye Lover (A Sedutora); 2000: Vatel (Vatel); 2002: Undressed (TV); 2007: Captivity (Cativeiro); You and I; 2011: There Be Dragons (Encontrarás Dragões); 2014: The Lovers; 2015: Texas Rising (TV) (pré-produção).

JEREMY IRONS (1948 - )
Nasceu a 19 de Setembro de 1948, em Cowes, na ilha de Wight, Grã-Bretanha. Filho de Paul Dugan Irons, que trabalhava na indústria de aviação, e de Barbara Irons. Estudou numa escola privada de Sherborne, no Dorset, entre 1962 e 1966, onde funda com três colegas um grupo musical, “The Four Pillars of Wisdom”. Tocava bateria e harmónica. Foi capitão de uma equipa de rugby, esteve num grupo de treino militar, onde chegou a sargento-major, falha a entrada em veterinária e exercita uma paixão pela equitação. Estreia-se no teatro amador, num pequeno papel na peça “The Critic”, de Richard Brinsley Sheridan, e integra um curso de formação na Bristol Old Vic Theatre School (por onde passaram também Daniel Day-Lewis, Miranda Richardson ou Pete Postlethwaite). Terminado o curso, fica na companhia, interpretando pequenos papéis em peças de Shakespeare, Noël Coward e Joe Orton. Parte para o West End de Londres onde, aos 23 anos, surge na companhia que leva a cena durante dois anos, “Godspell”, no Wyndham's Theatre. Passa depois para a Royal Shakespeare Company e vai alternando o teatro com a televisão, até chegar ao cinema, aos 32 anos, em “Nijinski” (1980), de Herbert Ross, ao lado de Alan Bates. O triunfo aparece pouco depois, no cinema, com “The French Lieutenant's Woman”, de Karel Reisz, e na televisão, com um dos papéis centrais em “Brideshead Revisited”, adaptação do romance de Evelyn Waugh. A partir daí tem sido uma carreira triunfante, que faz de Jeremy Irons um dos actores de maior prestígio no teatro, na televisão, no cinema ingleses. Casado desde 1978 com a actriz irlandesa Sinéad Cusack, com quem tem dois filhos. Em 2011 foi nomeado Embaixador de boa vontade da Organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura. São inumeráveis os seus prémios. É um dos poucos actores no mundo a conseguir reunir um Oscar (cinema), um Emmy (televisão) e um Tony (teatro). Falta-lhe um Grammy para fazer o pleno de todos os maiores prémios atribuídos pela América no domínio do espectáculo.

Filmografia
Como actor: 1971: The Rivals of Sherlock Holmes (TV) - The Case of the Mirror of Portugal; 1974: Notorious Woman (TV); The Pallisers (TV); 1975: The Liberty Tree (TV); Churchill's People (TV); 1977: Love for Lydia (TV); 1978: BBC2 Play of the Week (TV); 1979: BBC Play of the Month (TV); 1980: Nijinski (Nijinsky, a sua História), de Herbert Ross; Brideshead Revisited (Reviver o Passado em Brideshead) (TV); 1981: The French Lieutenant’s Woman (A Amante do Tenente Francês), de Karel Reisz; 1982: Moonlighting (Moonlighting), de Jerzy Skolimowski; 1982: Spaceship Earth (curta-metragem); 1983: Betrayal (Anatomia de uma Traição), de David Hugh Jones; The Captain’s Doll (TV); 1984: The Wild Duck), de Henri Safran; Un Amour de Swann (A Paixão de Swann), de Volker Schlöndorff; 1986: The Mission (A Missão), de Roland Joffé; 1988: Dead Ringers (Irmãos Inseparáveis), de David Cronenberg; 1989: Danny the Champion of the World (Danny, Campeão do Mundo), de Gavin Millar; 1989: A Chorus of Disapproval, de Michael Winner; Australia (Austrália), de Jean-Jacques Andrien; The Dream (TV); 1990: Reversal of Fortune (Reveses da Fortuna), de Barbet Schroeder; The Civil War (TV); 1991: Kafka (Kafka), de Steven Soderbergh; Saturday Night Live (TV); Zebrácká opera, de Jirí Menzel; 1992: Damage (Relações Proibidas), de Louis Malle; From Time to Time (curta-metragem); Performance (TV); Waterland (Paixão e Loucura), de Stephen Gyllenhaal; 1993: M. Butterfly (M. Butterfly), de David Cronenberg; The House of the Spirits (A Casa dos Espíritos), de Bille August; Tales from Hollywood (TV); 1994: The Lion King (O Rei Leão), de Roger Allers e Rob Minkoff; 1995: Die Hard: With a Vengeance (Die Hard: A Vingança), de John McTiernan; Comic Relief (TV); 1996: Stealing Beauty (Beleza Roubada), de Bernardo Bertolucci; The Great War and the Shaping of the 20th Century (TV); 1997: Lolita (Lolita), de Adrian Lyne; Chinese Box, de Wayne Wang; Mirad, de Jeremy Irons (TV); 1998: The Man in the Iron Mask (O Homem da Máscara de Ferro), de Randall Wallace; 1999: Faeries (O País das Fadas), de Gary Hurst;  Poseidon's Fury: Escape from the Lost City (curta-metragem); 2000: Dungeons & Dragons (Masmorras e Dragões), de Courtney Solomon; Longitude (TV), de Courtney Solomon; Ohio Impromptu (TV); 2001: The Fourth Angel (O Quarto Anjo), de John Irvin; 2002: The Time Machine (A Máquina do Tempo), de Simon Wells; Last Call (TV); 2002: And Now … Ladies & Gentlemen (Amantes Sem Passado), de Claude Lelouch; 2002: Callas Forever, de Franco Zeffirelli; 2003: Dame Edna Live at the Palace (TV); Comic Relief 2003: The Big Hair Do (TV); Freedom: A History of Us (TV); 2004: Being Julia (As Paixões de Júlia), de István Szabó; Mathilde (Mathilde), de Nina Mimica; The Merchant of Venice (O Mercador de Veneza), de Michael Radford; 2005: Kingdom of Heaven (Reino dos Céus), de Ridley Scott; Casanova (Casanova), de Lasse Hallström; Elizabeth I (TV); 2006: Eragon (Eragon), de  Stefen Fangmeier; Inland Empire (Inland Empire), de David Lynch; 2008: The Color of Magic (TV); Appaloosa (Appaloosa), de Ed Harris; 2009: The Pink Panther 2 (A Pantera Cor-de-Rosa 2), de Harald Zwart; The Chronoscope (curta-metragem); The Magic 7 (TV); Georgia O'Keeffe (TV); 2010: The Majestic Plastic Bag (curta-metragem); 2011–2013: The Borgias (Os Bórgia) (TV); 2011: Margin Call (O Dia Antes do Fim), de J.C. Chandor; Eco-Hollywood (TV); Lei & Ordem: Unidade Especial (TV); 2012: Henry IV (TV); The Words (As Palavras), de Brian Klugman, Lee Sternthal; The Hollow Crown (TV); Os Simpsons (TV);  2013: Night Train to Lisbon (Comboio Noturno Para Lisboa), de Lasse Hallström; Beautiful Creatures (Criaturas Maravilhosas), de Richard LaGravenese; As Entranhas do Vulcão (TV); 2015: The Secret Scripture, de Jim Sheridan (pré-produção); Race, de Stephen Hopkins (pré-produção); The Man Who Knew Infinity, de Matt Brown (pré-produção); 2016: Batman v Superman: Dawn of Justice, de Zack Snyder (em rodagem).

Como realizador: 1997: Mirad (TV).

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