OS INOCENTES (1961)
Sou um
apaixonado por filmes fantásticos que vive muito decepcionado com o que nos
reservam hoje o fantástico, o terror, o horror. O gore impera, as facadas, o
sangue a escorrer, as tripas de fora, e nada de sugestões, tudo à mostra para
ninguém ter que imaginar o que quer que seja. Ora um bom filme fantástico, ou
excelente filme de terror não precisa de muita coisa, apenas de responsáveis
inteligentes e talentosos. Quem viu “A Casa Maldita”, de Robert Wise, ou “Os
Inocentes”, de Jack Clayton, percebe certamente ao que me refiro. Um bom filme
deste género vive, sobretudo, de atmosferas, de climas, do que se não vê mas se
intui, do silêncio perturbador, do ruído que inquieta, da presença que está mas
não está, e que provoca aquele mal-estar no estômago que fazia com que eu,
quando era jovem, e vinha para casa à noite, depois de um filme desses, visse todas
as sombras a agigantarem-se, todos os ruídos a transformarem-se em pesadelos, e
o melhor era mesmo correr para junto dos pais. Falo de quando era jovem, porque
não fica bem falar de quando se é adulto e se sente as mesmas angústias.
“Os
Inocentes” é seguramente uma obra-prima do cinema fantástico, retirado de uma
obra-prima da literatura das sombras, esse fabuloso “The Turn of the Screw”, de
Henry James, que o dramaturgo William Archibald adaptou a teatro (1950,
Broadway), e que o mesmo, com a colaboração de Truman Capote (nos diálogos
adicionais) e John Mortimer, colocou em cinema para o inspirado Jack Clayton
dirigir magistralmente, com um elenco de quatro ou cinco actores, entre os
quais a magnifica Deborah Kerr, e duas criancinhas, Martin Stephens e Pamela
Franklin, de fazer arrepiar os cabelos.
“The
Innocents” data de 1961 e traz a assinatura do mesmo cineasta que dirigiu “Room
at the Top” que muitos colocam ao lado das obras iniciais do “Free Cinema”.
Haverá quem possa pensar “que obras tão distantes, na concepção e nas
intenções!” Um é de um realismo social e de uma provocante sensualidade, e o
outro uma incursão pelo fantástico com o seu quê de análise de um puritanismo
feroz. Pois não há nada de mais coerente e um parece ser o prolongamento do
outro, ainda que em níveis diferentes. Um olhado de fora para dentro, o outro
de dentro para fora.
Estamos
no século XIX, numa Inglaterra vitoriana, e o filme começou com Miss Giddens
(Deborah Kerr) a ser recebida por um tio (Michael Redgrave) de duas crianças,
que procura uma ama para tomar conta dos miúdos que se encontram numa casa
apalaçada, na província rural do Condado de Bly, lá para o interior da Grã-Bretanha.
O tio é de um egoísmo extremo, mas também de uma honestidade frontal, vive em
Londres, tem a sua vida e não está para se preocupar com Miles e Flora, dois
jovens órfãos, que herdou, que quer ver bem tratados, mas que não quer ver por
perto. Tem mais que fazer. O tio é um nobre muito british, endinheirado e
bem-apessoado, que Miss Giddens acha obviamente atraente. A anterior ama,
Jessel de seu nome, morrera e a senhora Giddens vai ocupar o seu lugar.
Mal
chega à propriedade, percebe que a vasta casa é dirigida por uma governanta, Miss
Grose, que mantém ainda um ou dois criados, e aí vive apenas a pequena Flora,
dado que o irmão desta, Miles, se encontra interno num colégio. Mas Flora avisa
logo que o irmão está a regressar pois foi expulso do internato. Pouco depois,
este aparece e começam a acontecer coisas estranhas naquela casa. Pelo menos
assim o diz Miss Giddens, que se convence que a anterior Miss Jessel e um outro
antigo criado da casa, Peter Quint, mantinham relações de muito duvidosa moral,
para lá de ambos terem igualmente morrido em circunstâncias estranhas. Este
casal de fantasmas começa a assolar os sonhos de Giddens e esta descobre que as
crianças estão possuídas pelas almas danadas daqueles pecadores que estão a
destruir a pureza dos dois anjinhos. Ou será que a traumatizada Miss Giddens
projecta nas criancinhas as suas frustrações e medos?
Existe
terror naquela casa, existe pecado a escorrer por aquelas paredes antigas, ou
tudo não passa de uma visão interior da amargurada Miss Giddens, que não tendo
alguém como o sedutor e snob tio para tratar de si, começa a imaginar pecado e
vício um pouco por todo o lado? As aparições de Jessel e Peter Quint são reais
ou apenas existem na imaginação doentia da perturbada ama? O que é mais
intrigante no filme é essa incerteza latente que oscila entre uma história de
fantasmas ou um conflito freudiano de uma sexualidade mal resolvida.
Rodado
numa magnífica mansão gótica localizada em Parque Sheffield, East Sussex,
fotografado de forma notável por Freddie Francis, que retira do preto e branco
uma tonalidade de cinzentos impressionante e que ilumina as imagens de forma
deslumbrante, enquadrando-as primorosamente e logrando uma profundidade de
campo invulgar, “Os Inocentes” conta ainda com uma banda sonora de efeito
surpreendente, que coloca a obra entre os melhores momentos da história do
cinema de terror de todos os tempos. Digo-o eu e diz Martin Scorsese, que
coloca o título entre os 10 melhores de sempre no género, segundo o seu
critério.
"O
Willow Waly", a canção infantil ouvida ao longo do filme, foi escrita por
Georges Auric e Paul Dehn, e é cantada por Isla Cameron. Mais tarde serviria de
inspiração a Kate Bush, para o tema "The Infant Kiss", canção do
álbum “Never for Ever” (1980).
OS INOCENTES
Título original: The Innocents
Realização: Jack Clayton (Inglaterra, EUA,
1961); Argumento: John Mortimer, William Archibald, Truman Capote, segundo
romance de Henry James ("The Turn of the Screw"); Produção: Jack
Clayton, Albert Fennell; Música: Georges Auric; Fotografia (p/b): Freddie
Francis; Montagem: Jim Clark; Direcção artística: Wilfred Shingleton;
Guarda-roupa: Sophie Devine;
Maquilhagem: Gordon Bond, Harold Fletcher; Direcção de Produção: James H. Ware,
Claude Watson; Assistentes de realização: Michael Birkett, Ken Softley, Claude
Watson; Departamento de arte: Peter James; Som: Buster Ambler, John Cox, Peter
Musgrave, Ken Ritchie; Companhias de produção: Achilles, Twentieth Century Fox
Film Corporation; Intérpretes:
Deborah Kerr (Miss Giddens), Peter Wyngarde (Peter Quint), Megs Jenkins (Mrs.
Grose), Michael Redgrave (o tio), Martin Stephens (Miles), Pamela Franklin
(Flora), Clytie Jessop (Miss Jessel), Isla Cameron (Anna), Eric Woodburn, etc. Duração: 100 minutos; Distribuição em
Portugal: Costa do Castelo; Classificação etária: M/ 12 anos.
HENRY
JAMES (1843–1916)
Henry James nasceu em Nova Iorque, a 15
de Abril de 1843, vindo a falecer em Londres, a 28 de Fevereiro de 1916. Filho
do teólogo Henry James Senior, um homem culto, filósofo, que fazia questão que
os filhos recebessem uma boa educação. Viajou com a família para a Europa, em
1855, quando Henry tinha 12 anos, e durante três anos percorreram Inglaterra,
Suíça e França, visitando museus, bibliotecas e teatros. Regressaram aos EUA em
1858, para voltarem de novo a Genebra e Bona no ano seguinte. Em 1860, já
estavam de volta a Newport, onde Henry e William James, o irmão mais velho que
se tornaria psicólogo e filósofo, estudaram com o pintor William Morris Hunt.
Henry estudou direito em Harvard, em 1862. Mais interessado na leitura de
Balzac, Hawthorne e George Sand e nas relações com intelectuais como Charles
Eliot Norton e William Dean Howels, abandonou o curso para se dedicar à
literatura. No início de 1869, foi a Inglaterra, Suíça, Itália e França, países
que lhe forneceriam uma grande quantidade de material para suas obras.
Regressou a Cambridge em 1875. Viveu um ano em Paris, onde conheceu o círculo
de Flaubert (Daudet, Maupassant, Zola) e, em 1876, fixou-se em Londres, onde
escreveu a maior parte de sua extensa obra. A carreira literária de Henry James
teve três etapas. A primeira foi na década de 1870, com "Roderick
Hudson" (1876), "The American" (1877) e "Daisy Miller"
(1879) e culminou com a publicação de "Retrato de Uma Senhora", em
1881, cujo tema é o confronto entre o novo mundo com os valores do velho
continente. Na segunda etapa, James experimentou diversos temas e formas. De
1885 até 1890, escreveu três novelas de conteúdo político e social, "The
Bostonians" (1886), "The Princess Casamassima" (1886) e
"The Tragic Muse" (1889), histórias sobre reformadores e
revolucionários que revelam a influência da corrente naturalista. Entre 1890 e
1895, "os anos dramáticos", James escreveu sete obras de teatro, das
quais duas foram encenadas, com pouco êxito. James voltou à narrativa com "A Morte do
Leão" (1894), "The Coxon Fund" (1894), "The Next Time"
(1895), "What Maisie Knew" (1897) e " The Turn of the Screw
" (1898). "The
Beast in the Jungle" (1903), "The Great Good Place" (1900) e
"The Jolly Corner" (1909) fazem parte da última etapa do trabalho de
James, considerada por muitos como a mais importante, quando o autor explora o
complexo funcionamento da consciência humana. A prosa torna-se mais densa, com
uma sintaxe mais intrincada. Essas características definem as três grandes
obras dessa etapa final, " The Wings of the Dove " (1902), " The
Ambassadors " (1903) e " The Golden Bowl " (1904).
Além dos romances, contos, peças de
teatro, deixou inúmeros ensaios sobre viagens, críticas literárias, cartas, e
três obras autobiográficas. Os últimos anos da sua vida transcorreram em
absoluto isolamento, na sua casa, que só deixou em 1904 para regressar
momentaneamente aos Estados Unidos, depois de vinte anos de ausência. Em 1915,
durante a I Guerra Mundial, Henry James adoptou a cidadania britânica. Morreu
aos 72 anos, pouco depois de receber a Ordem do Mérito Britânica.
Obras de Henry James: Romances: “Watch and Ward” (1871), “Roderick Hudson” (1875),
“The American” (1877), “The Europeans” (1878), “Confidence” (1879), “Washington
Square” (1880), “The Portrait of a Lady” (1881), “The Bostonians” (1886), “The
Princess Casamassima” (1886), “The Reverberator” (1888), “The Tragic Muse”
(1890), “The Other House” (1896), “The Spoils of Poynton” (1897), “What Maisie
Knew” (1897), “The Awkward Age” (1899), “The Sacred Fount” (1901), “The Wings
of the Dove” (1902), “The Ambassadors” (1903), “The Golden Bowl” (1904), “The
Whole Family” (1908), “The Outcry” (1911), “The Ivory Tower” (1917), “The Sense
of the Past” (1917);
Novelas: “Daisy Miller”
(1878), “The Aspern Papers” (1888), “The Turn of the Screw” (1898), “The Beast
in the Jungle” (1903)
Peças de Teatro: “Theatricals” (1894), “Theatricals: Second Series”
(1895), “Guy Domville” (1895);
Ensaio: “French Poets
and Novelists” (1878), “Hawthorne” (1879), “A Little Tour in France” (1884),
“Partial Portraits” (1888), “Essays in London and Elsewhere” (1893), “Picture
and Text” (1893), “William Wetmore Story and His Friends” (1903), “English
Hours” (1905), “The American Scene” (1907), “Italian Hours” (1909), “A Small
Boy and Others” (1913), “Notes on Novelists” (1914), “Notes of a Son and
Brother” (1914), “Notebooks The Middle Years” (1917).
Adaptações cinematográficas de obras de Henry James
(selecção das mais importantes): 1933: “Berkeley
Square”, de Frank Lloyd; 1947: “The Lost Moment”, de Martin Gabel;1949: “The
Heiress”, de William Wyler; 1961: “The Innocents”, de Jack Clayton; 1965: “La
Redevance du Fantôme”, de Robert Enrico; 1971: “The Nightcomers”, de Michaël
Winner; 1974: “Daisy Miller”, de Peter Bogdanovich; “Le Tour d'Écrou”, de
Raymond Rouleau; 1976: “Le Banc de la Désolation”, de Claude Chabrol; “De
Grey”, de Claude Chabrol, “L'Auteur de Beltraffio”, de Tony Scott; “Les Raisons
de Georgina”, de Volker Schlöndorff; 1978: “La Chambre Verte”, de François
Truffaut; “The Europeans”, de James Ivory; 1981: “Les Ailes de la Colombe”, de
Benoît Jacquot; 1982: “Aspern”, de Eduardo de Gregorio; 1984: “The
Bostonians”, de James Ivory; 1996: “The
Portrait of a Lady”, de Jane Campion; “L'Élève”, de Olivier Schatzky; 1997:
“Washington Square, de Agnieszka Holland; “Les Ailes de la Colombe”, de Iain
Softley; 2000: “The Golden Bowl”, de James Ivory; 2012: “What Maisie Knew, de
Scott McGehee e David Siegel.
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