sábado, 1 de fevereiro de 2014

SESSÃO 4: 25 DE FEVEREIRO DE 2014


SOB DUAS BANDEIRAS (1944)

"Champagne Charlie" baseia-se na vida de um famoso artista de music-hall inglês, George Leybourne, que viveu entre 1842 e 1884 (morreu novo, com 42 anos) e ficou conhecido por algumas das suas mais populares canções. "Champagne Charlie" terá sido a mais conhecida, mas outras houve, como "The Flying Trapeze" ou "The Daring Young Man on the Flying Trapeze" que ainda hoje se ouvem e se cantam nos pubs londrinos.
George Leybourne nasceu em Gateshead, uma cidadezinha no nordeste de Inglaterra, que fica mesmo em frente de Newcastle, atravessado o rio Tyne. Começou por aparecer, sob a designação de Joe Saunders, em casas de music-hall de Liverpool e Newcastle, onde conheceu um progressivo sucesso que o levou a Londres. Com o seu nome de baptismo George Leybourne estreou-se na capital, no Bedford Music Hall, em 1863. Mas foi a partir de 1866, quando compôs, com o compositor Alfred Lee, a canção "Champagne Charlie", que se tornou primeira figura, criando uma invulgar popularidade, acrescida por outros sucessos, como a já citada "The Flying Trapeze", escrita igualmente de colaboração com Alfred Lee.
Leybourne tinha um estilo muito próprio de actuar, misturando a canção com o humor, trajando sempre a rigor, com imaculados casacos brancos e calças vincadíssimas, estabelecendo um curioso diálogo jocoso entre as classes alta e baixa da sociedade inglesa, elogiando as coisas boas da vida, das mulheres ao champanhe. 
Em 1868, William Holland, que então dirigia o celebérrimo Canterbury Music Hall, contratou Leybourne por umas chorudas 25 libras por semana, que pouco depois chegaram a 120 por semana. O popular cantor tinha no reportório mais de 200 canções e viajou em tournée pelos EUA, com grande sucesso igualmente. Conta a lenda, e não se sabe mesmo se será só lenda, que a sua rivalidade com Alfred Vance, outro cantor de music-hall conhecido por “The Great Vance”, era enorme. Mas alguns investigadores contestam a disputa e afirmam que era mais a fama que o proveito, ou que ambos construíam essa rivalidade para melhor manterem as carreiras no auge. Ficaram famosas as disputas entre ambos com base em canções que exaltavam as qualidades de certas bebidas. O ponto mais alto desta disputa terá sido atingido com "Champagne Charlie". De resto, George Leybourne,"viveu furiosamente, bebeu em excesso, e morreu cedo". Dizem que na penúria. O que ainda ajudou mais à lenda.


Em 1944, o produtor Michael Balcon entrega ao brasileiro Alberto Cavalcanti a realização de “Champagne Charlie” (na tradução portuguesa “Sob Duas Bandeiras”), com argumento de Austin Melford, John Dighton e Angus MacPhail, que adaptam alguns momentos da tumultuosa vida de Leybourne, que no filme é interpretado por Tommy Trinder, enquanto a figura de Alfred Vance era entregue a Stanley Holloway.
A obra é uma deliciosa evocação dos tempos do music-hall na era vitoriana, rodada em grande parte nos Ealing Studios, em Londres, com uma divertida e pitoresca recriação de um período boémio, que Cavalcanti retrata entre o realismo poético e a recordação nostálgica. Dois grandes actores dos anos 40 do teatro e cinema ingleses, Tommy Trinder e Stanley Holloway, transportam o filme às costas com uma galhardia fora do vulgar. Os ambientes dessas vastas e loucas salas de music-hall, com a sua mescla de classes sociais e de rostos, deixam transparecer o clima inebriante que nelas se vivia, por entre o vício e o pecado, sempre bem acompanhado por canções que se cantavam em animados coros. O filme combina ainda uma singela historieta de amor, com um vulcânico duelo de cançonetas exaltando o tinto, o clarete, o Porto, o brande, o gin, o xerez, o rum, o whisky, até culminar no apregoado champanhe, bebida cujas empresas produtoras, dizem as más línguas, terão apadrinhado a canção.
Trinder, que foi igualmente um actor e entertainer muito popular nas décadas de 30 a 50 do século XX, compõe uma figura cockney exuberante e inspirada, com o seu longo e iluminado rosto, de grandes olhos redondos e boca aberta para um sorriso de ingénuo optimismo. Stanley Holloway, por seu turno, é como sempre brilhante na composição de um “The Great Vance”, arrogante e petulante, cheio de si e da sua arte.
Um belo filme, quase ignorado no presente, que merece bem ser recordado.


SOB DUAS BANDEIRAS
Título original: Champagne Charlie
Realização: Alberto Cavalcanti (Inglaterra, 1944); Argumento: Austin Melford, John Dighton, Angus MacPhail; Produção:  Michael Balcon, John Croydon; Música:  Ernest Irving; Fotografia (p/b): Wilkie Cooper; Montagem:  Charles Hasse; Direcção artística: Michael Relph; Guarda-roupa: Ernst Stern; Maquilhagem: Tom Shenton; Direcção de Produção: Hal Mason, Jack Rix; Som: Len Page, A.D. Valentine; Companhias de produção: Ealing Studios; Intérpretes: Tommy Trinder (George Leybourne ou Champagne Charlie), Stanley Holloway (The Great Vance), Betty Warren (Bessie Bellwood), Jean Kent (Dolly Bellwood), Austin Trevor (The Duke), Peter De Greef (Lord Petersfield), Leslie Clarke (Fred Saunders), Eddie Phillips (Tom Sayers), Robert Wyndham (Duckworth, Guy Middleton, Drusilla Wills, Frederick Piper, Andreas Malandrinos, Paul Bonifas, Joan Carol, Bill Shine, Eric Boon, Richard Harrison, Harry Fowler, Norman Pierce, Joe E. Carr, Hazel Court, Monti DeLyle, Vernon Greeves, George Hirste, Vida Hope, James Robertson Justice, Kay Kendall, Eliot Makeham, Aubrey Mallalieu, Gibb McLaughlin, Phyllis Morris, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 24 de Setembro de 1945.

STANLEY HOLLOWAY 
(1890-1982)
Stanley Augustus Holloway nasceu em Londres (Manor Park, Essex), no dia 1 de Outubro de 1890, único filho varão de George Augustus Holloway e de Florence May (que também tiveram uma filha). O nome Stanley foi-lhe dado como homenagem a Henry Morton Stanley, o jornalista que explorou África e foi ao encontro de David Livingstone. A influência teatral também existia na família, vinda sobretudo da parte de Charles Bernard (1830–1894), um tio avô materno, actor e empresário. Estudou na Worshipful School of Carpenters e integrou um coro infantil. Aos 14 anos, deixou os estudos, passou a trabalhar e, em 1904, aparece como Master Stanley Holloway, em “The Wonderful Boy Soprano”. Durante as décadas de 30-60 foi um actor de grande versatilidade, grangeando, sobretudo no teatro musical e no cinema, uma enorme popularidade. Mas ficou para sempre eternizado com o seu trabalho em “My Fair Lady”, nos palcos e no cinema, na composição de Alfred P. Doolittle. Viria a falecer em Littlehampton, Inglaterra, a 30 de Janeiro de 1982, com 91 anos. Foi casado com Alice Foran e Violet Lane, tendo tido cinco filhos, entre eles Julian Holloway, também actor, conhecido particularmente pelo seu trabalho na série “Com Jeito Vai…”
O primeiro emprego que se lhe conhece foi como empregado de um mercado de peixe em Billingsgate, mas desde 1907 que começa a actuar como actor e cantor em pequenas cidades da costa inglesa. Contratado por Leslie Henson para trabalhar consigo em vários espectáculos, resolve assumir a carreira de cantor e vai até Itália, Milão, onde estuda canto. Durante a I Guerra Mundial, alistou-se no Regimento de Infantaria Connaught Rangers e, em 1920, integra a Royal Irish Constabulary como agente de polícia mas abandonou o posto em 1921.
No teatro, o seu primeiro grande sucesso foi “The Co-Optimists”, que esteve em cena de 1921 até 1927, mais tarde adaptado ao cinema. Na década de 1930, foi uma estrela de variedades, pantomima, musical, music-hall, e surgiu numa série de filmes, como “Squibs” (1935) ou “The Vicar of Bray” (1937). Mas foi na década seguinte que se viria a impor no cinema, com “Major Barbara”, e em obras patrióticas que tentavam sustentar o esforço da guerra, “The Way Ahead” (1944), “This Happy Breed” (1944) e “The Way to the Stars” (1945). Depois da guerra, “Breve Encontro”, “Nicholas Nickleby” e uma aparição em “Hamlet” são interpretações importantes, seguidas por aparições em produções da Ealing Comedies, em clássicos como “Passport to Pimlico”, “The Lavender Hill Mob” e “The Titfield Thunderbolt”. Viaja então aos EUA, para “ser” o pai de Eliza Doolitle na versão da Broadway, de “My Fair Lady” (1956), mais tarde reposta em Londres (1958) e, finalmente, levada a cinema (1964). Recebeu uma nomeação para o Oscar.
Escreveu uma autobiografia, “With a Little Bit of Luck”, e foi o protagonista de uma série televisiva, ABC Our Man Higgins (1962—1963).

Filmografia
Como actor

1921: The Rotters, de A.V. Bramble; 1929: The Co-Optimists, de Laddie Cliff e Edwin Greenwood; 1933: Sleeping Car (O Expresso do Amor), de Anatole Litvak; The Girl from Maxim's, de Alexander Korda; 1934: Love at Second Sight, de Paul Merzbach; D'Ye Ken John Peel?, de Henry Edwards; Lily of Killarney, de Maurice Elvey; Road House, de Maurice Elvey; Sing As We Go, de Basil Dean; 1935: Play Up the Band, de Harry Hughes; Squibs, de Henry Edwards; Sam and His Musket (curta-metragem); Drummed Out (curta-metragem); 1936: Sam's Medal (curta-metragem); Beat the Retreat (curta-metragem); Halt, Who Goes There? (curta-metragem); 1937: Three Ha'pence a Foot (curta-metragem); The Lion and Albert (curta-metragem); Co-operette (curta-metragem); Gunner Sam (curta-metragem); Our Island Nation (documentário); Sam Small Leaves Town, de Alfred J. Goulding; Song of the Forge, de Henry Edwards; The Vicar of Bray, de Henry Edwards; Cotton Queen, de Joe Rock e Bernard Vorhaus; 1939: Sam Goes Shopping(curta-metragem); 1941: Major Barbara, de Gabriel Pascal, Harold French, David Lean; 1942: Salute John Citizen, de Maurice Elvey; 1943: Worker and Warfront No. 8 (curta-metragem); 1944: This Happy Breed (Esta Nobre Raça), de David Lean; The Way Ahead (7 de Infantaria), de Carol Reed; Champagne Charlie (Sob Duas Bandeiras), de Alberto Cavalcanti; 1945: The Way to the Stars (O Caminho das Estrelas), de Anthony Asquith; Brief Encounter (Breve Encontro), de David Lean; Caesar and Cleopatra (César e Cleópatra), de Gabriel Pascal; 1946: Wanted for Murder (Os Crimes de Hyde Park), de Lawrence Huntington; Carnival (Bailarina na Ópera), de Stanley Haynes; 1947: Meet Me at Dawn (Espero-te de Madrugada), de Peter Creswell e Thornton Freeland; The Life and Adventures of Nicholas Nickleby (Lábios que Envenenam ou Nicholas Nickleby), de Alberto Cavalcanti; 1948: Snowbound (O Segredo da Bomba Atómica), de David MacDonald; One Night with You, de Terence Young; Hamlet (Hamlet), de Laurence Olivier;1948: The Winslow Boy (Causa Célebre), de Anthony Asquith; Noose, de Edmond T. Gréville; Another Shore, de Charles Crichton; 1949: Passport to Pimlico (Passaporte para o Paraíso), de Henry Cornelius; The Perfect Woman (Uma Mulher Perfeita), de Bernard Knowles; 1950: Midnight Episode, de Gordon Parry; 1951: One Wild Oat, de Charles Saunders; 1951: The Lavender Hill Mob (Roubei Um Milhão), de Charles Crichton; The Magic Box, de John Boulting; Lady Godiva Rides Again, de Frank Launder; 1952: The Happy Family, de Muriel Box; Meet Me Tonight (Esta Noite às 8.30), de Anthony Pellisier; 1954: Fast and Loose, de Gordon Parry; The Titfield Thunderbolt, de Charles Crichton; The Beggar's Opera (A Ópera dos Mendigos), de Peter Brook; A Day to Remember, de Ralph Thomas; Meet Mr. Lucifer, de Anthony Pellisier; 1955: An Alligator Named Daisy, de J. Lee Thompson; 1956: Jumping for Joy, de John Paddy Carstairs; 1959: Alive and Kicking, de Ciryl Frankle; No Trees in the Street, de J. Lee Thompson; 1960: The Mikado (TV); An Arabian Night (TV): 1961: On the Fiddle, de Cyril Frankel; No Love for Johnnie, de Ralph Thomas; Meet Mr Holloway (TV), 1962: Our Man Higgins (TV); 1964: My Fair Lady (Minha Querida Senhora), de George Cukor; 1965: In Harm's Way (A Primeira Vitória), de Otto Preminger; Ten Little Indians (Dez Convites Para a Morte), de George Pollock; 1965-1967: The Red Skelton Show (TV); 1966: The Sandwich Man, de Robert Hartford-Davis; 1967: Blandings Castle (TV); 1968: Thingumybob (TV); Armchair Theatre (TV); Mrs. Brown, You've Got a Lovely Daughter, de Saul Swimmer; 1969: Target: Harry, de Roger Corman; Run a Crooked Mile (TV); 1970: The Private Life of Sherlock Holmes (A Vida Íntima de Sherlock Holmes), de Billy Wilder; 1971: Flight of the Doves, de Ralph Nelson; 1972: Up the Front, de Bob Kellett; 1973: Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro) (TV); 1975: Journey into Fear (Viagem ao Medo), de Daniel Mann.

Musicais em teatro interpretados por Stanley Holloway:
1919: Kissing Time; 1920: A Night Out; 1921 - 1926: The Co-Optimists; 1927: Hit the Deck; 1928: Song of the Sea; 1929: Coo-ee; 1929 - 1930: The Co-Optimists; 1932: Savoy Follies; 1934: Three Sisters; 1936: All Wave; 1938: London Rhapsody; 1940: Up and Doing; 1942: Fine and Dandy; 1956: My Fair Lady, na Broadway; 1958: My Fair Lady, em Londres.

TOMMY TRINDER 
(1909-1989)
Thomas Edward Trinder nasceu a 24 de Março de 1909, em Streatham, Londres, Inglaterra, e viria a falecer a 10 de Julho de 1989, em Chertsey, Surrey, Inglaterra, com 80 anos. Filho de  Thomas Henry Trinder, um condutor de eléctricos de Londres, e de Jennie Georgina Harriet Mills, Tommy Trinder foi um dos mais populares actores ingleses das décadas de 30-60. Abandonou os estudos rapidamente e aos 12 anos já trabalhava no teatro, numa tournée pela África do Sul, e depois no Collins' Music Hall.  Aos 17 anos (1926) surgia na companhia de comédia e variedades de Archie Pitt. Em 1937 era muito popular na revista “Tune In and In Town Tonight”. Durante a II Guerra Mundial, trabalhou para os Ealing Studios, interpretando “Sailors Three” ou “Champagne Charlie”. Na televisão, foi primeira figura em shows como “Sunday Night”, no London Palladium, ou “Trinder Box”, na BBC, em 1959. Entusiasta do Fulham Football Club, foi seu dirigente entre 1959 e 1976. Apareceu por seis vezes nas Royal Variety Performances (entre 1945 e 1980), e, em 1975, recebe a Comenda da Order of the British Empire.

Filmografia
Como actor

1938: After Dinner (curta-metragem); Save a Little Sunshine, de Norman Lee; Almost a Honeymoon, de Norman Lee; 1939: She Couldn't Say No, de Graham Cutts; 1940: Sailors Three (Eram Três Marujos), de Walter Forde; Laugh It Off (O Ás do Riso), de John Baxter e Wallace Orton; 1942: The Foreman Went to France, de Charles Frend; Went the Day Well (48 Horas de Terror), de Alberto Cavalcanti; 1943: The Bells Go Down (Londres em Chamas), de Basil Dearden; Millions Like Us (Milhões como Nós), de Sidney Gilliat e Frank Launder (não creditado); 1944: Fiddlers Three (Aconteceu em Roma), de Harry Watt; Champagne Charlie (Sob Duas Bandeiras), de Alberto Cavalcanti; 1950: Bitter Springs (Deserto Negro), de Ralph Smart; 1955: You Lucky People, de Maurice Elvey; 1957: Val Parnell's Sunday Night at the London Palladium (TV); 1963: The Damned, de Joseph Losey; 1964: The Beauty Jungle, de Val Guest; 1964: Not So Much a Programme, More a Way of Life (TV); 1974: Barry McKenzie Holds His Own, de Bruce Beresford.

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